algo do real cotidiano (infelizmente)
mais
que ninguém sabia que de nada ele esquecia. seu irmão, outra vez, tivera a
audácia de lhe dizer que de nada adiantaria tentar fazê-lo mudar de ideia,
aquele, seu homem. nada, porém fazia mudar de ideia a pequena, que de tão
bobíssima das ideias de criança do tal príncipe encantado, já se desfizera de
todas as bonecas do quarto – quando se debateu em direção à vida, ah, que
malogro, o primeiro rapazote já lhe tinha despedaçado as vestes do coração. era
mais uma no meio daquela multidão de pessoas que não tinham sequer a coragem de
outrora – a coragem que as crianças têm de sonhar com a perfeição das páginas e
das vozes das mães antes de dormir.
tão
normal. às vezes é um medo do erro dos pais, aquele casamento que deu errado,
tanto sofrimento, se desambiguam assim em dois grupos distintos: os que não
querem correr o risco de magoar-se e magoar alguém, e os que tentam fazer
diferente. badalou os sete dobrares do sino da capitalzinha, e lá estava ele,
bigodinho cofiante, profundamente desconfiável, rezando padre nossos e ave
marias, ela passa, ele olha, quarenta e seis anos de espera, era aquele, fez-se
santo, na parede do quarto de motel (o que tem ventilador no teto e espelho
sobre a cama – onde depois da santificação se observaram nus, adão e eva, joão
e maria).
toda
santa concebida sem pecado na cabeça, ela, a santa, o pecado, lugar nenhum, já
que aos dezesseis, seus amores iam às loucuras de pôr-se moça. os moçoilos de
mesma idade, caíam desejosos, encharcavam a calçada da baba que lhes escorria.
nem aí, que ela tinha o distinto quarentão, na flor da volúpia. o anelzinho no
dedo, dele, que importava?, na cama era meu amor, minha vida, meu tudo, meu meu
meu meu, minha minha minha minha. que importava a esposa, os filhos, a vida era
boa assim. Jesus cristo nascido.
jesus nascida
no corpo de menina, entretanto, sua maria era espessa nos prazeres, nada mais,
queria seu deus pra seu josé. carpintar as horas dos dias – esse jesus de
cabelos loirinhos e voz esganiçada era sua própria passagem aos cantares
divinais. as trombetas do apocalipse eram suas posses, seus desmazelos – queria
fazer-se dama de copas, gritar e ser, e calar o choro da pequena. calou-a
afogada n’água benta da torneira do quintal, cloro, claro, calada, sua
propriedade, seu ventre, seu, sua, toda, ante ao sumiço de deus, que subiu aos
céus, sem nunca ter deixado de cofiar seu bigode no paletó branco; maria maria,
seus olhos vermelhos de ver o mar, o mar vinha e ia; querida, quem é você?
eap