sábado, 18 de setembro de 2010

Incompetência e desagrado.

Vi dois meninos fumando maconha descaradamente no meio da rua. A imagem, que para muitos, para a maioria, talvez, soe pitoresca, um nada a ver, para mim serviu de combustível para o ódio ao mundo.

Três meninos, uma menina, um menino e um pivete, que não deveria ter mais de dez anos, fumando maconha, a baforar, antes da esquina, a fumaça da tal. Eles riam, e eu não ria. Eles riam, e eu nem pensava em rir.

Pensei mesmo em pegar aquele pedaço de pau, madeira grossa, pesada de maçaranduba e acertar-lhes mesmo na coluna. Que filhos da puta!, eu pensei, Fumando maconha no meio da rua! No meio da rua! Em plena luz do dia! Vou matar esses putos de porrada!, eu exclamava de tempos em tempos, e observava que enquanto eles sumiam no fim do quarteirão, os velhinhos, com os seus humildes bonés, viravam a cabeça para trás, na procura incessante de saber que diabo o menino que mais descaradamente ria levava na ponta de seu indicador pressionado contra o polegar.

Quando eu achei que o pequenino apenas estivesse a acompanhar, eis que dá uma tragada grande e cospe a fumaça, como se fosse um grande homem a fumar o seu cigarro. Não ouvi, mas deve ter lhe dado um acesso de tosse. Tomara que morra, eu disse para o meu amigo, que procurava se conformar com aquela imagem, sentado, olhando para os três.

Puta que pariu, meu... Que filhos da puta, na cara-de-madeira, dizia ele, sem parar, enquanto por dentro vinha um gosto de vômito que quase pude sentir bater nos dentes e voltar garganta adentro, provocando aquela sensação terrível de azia, queimação na garganta que só se sente quando se põe para fora o vômito.

- Tô com nojo do mundo, falei para o meu amigo, que ria, e dizia, meio que para me acalmar que, Nem todo mundo é assim. Esses aí é porque querem ser os bichões, os patuazões, uns escrotos, porque nem mesmo os vagabundos, os vagabundos mesmos, eles não fumam maconha assim, na cara-de-pau, eles fumam nas entocas, escondidos. Eles é que são uns putos.

Mesmo assim, a imagem não me saía da cabeça, enquanto eu ouvia os outros meninos que subiam da outra escola a gritar com eles, Ei!, Ei, seus filhos da puta! Vão se foder, porra! Vão tomar vergonha na cara, caralho! Vão fumar em outro lugar! E jogaram uma pedra, creio eu. As pessoas que vinham subindo a rua, e viam a cena, não conseguiam não olhar para trás de tempos em tempos, e balançar as suas cabeças num sinal de desaprovação. Mas quem diabos somos nós, que não podemos sequer segurar nas mãos ou nos punhos deles e dizer-lhes, O que está certo é isso, jovem, e levá-los para casa dos pais, e ver no que dá. Ao invés disso, vamos nos apegando a sentir nojo, raiva, indignação.

Que adianta isso, se não há ação? Mobilidade para levantar do banco de cimento e fazer alguma coisa, que não só reclamar, se indignar, xingar, esculachar, apedrejar, ter ânsia de vômito. Isso não apaga a ponta do cigarro de maconha, isso não faz com que o uniforme do colégio seja respeitado, isso não faz com que os pais olhem para eles, e lhes deem lições severas, que não são bater, espancar, não: Mostrar para que lado caminha a coisa, para onde se deve ir, para onde deve se caminhar.

Se isso é uma forma de afrontar quaisquer formas de poder, como poderiam dizer os defensores da causa, por que não lutar contra isto lúcido, são, de olhos bem abertos, com a consciência tranqüila de que não há por quê apontar os dedos sujos de seja quem for que está lá em cima, ou lá em baixo a condenar. Mas este não é o caso.

Entendi isto num momento de reflexão, quando em casa cheguei e olhei meus irmãos a brincar com seus carrinhos de plástico, a fazer brum, brum, brum, e frear seus freios imaginários nas bocas, olhando para os seus mundinhos, rasgadamente, introspectivos. Há esperança, pensei.

Lembrei do fato, e cheguei a conclusão de que infelizmente, não fazemos nada. Mesmo pensando desta maneira, chegando a conclusão que cheguei, sorrindo do jeito que sorri, o cigarro amanhã estará novamente aceso, e rindo eles estarão, sem que ninguém queira rir daquilo. Os olhos vermelhos ainda vão ficar, e todos olhando para eles. E cambaleantes ainda vão caminhar, e podem mesmo cair, e não vamos fazer nada. E caindo vai o mundo destas pequenas maneiras. Que fazer, se somos assim: tudo é tão comum... Deixa passar.

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