Há
histórias que nascem para ser apenas um relato, outras se abrem num cortinado,
e de dentro, o espetáculo é a vida, não em fatos, mas em fatos, aqui no sentido português, ou regional mesmo, como fui
acostumado a ouvir, os fatos, as vísceras da mente, um descortinar de tudo o
quanto há de belo, de trágico, de horrível, e para além, nada mais, o fato,
sentido de história, é o que pouco importa, posto que para nós brasileiros,
mexer nos pauzinhos para melhorar, aprimorar e transformar a língua é um fato
digno, a maneira, seja ela linguística, semântica, no ponto de vista
introspectivo, redescobrindo os descaminhos da mente, que não mente nunca, em contraponto,
tudo isto, com os norte-americanos, que adoram histórias cheias de segredos,
cheias de trâmites inseguros, transitando sempre entre o livro de mistério e os
livros de policiais durões, pelo menos, assim os entendo, entretanto, aqui se
saliente o meu parquíssimo conhecimento da literatura estadunidense e inglesa,
que guarda bons nomes, como Philip Roth, Sir Arthur Conan Doyle, Ernest
Hemingway, e, claro, um que subjaz à todos estes, paira como o fantasma
insuperável no seu virtuosismo sem tamanho, Joyce, que elevou a literatura
inglesa a um padrão alfômega, que até agora poucos conseguiram alcançar, mas,
claro, sempre que um ser vai lá a bater à porta do virtuosismo em língua
inglesa com seus livros sempre vai haver aquela comparação com o escritor de
Ulisses e Finnegans Wake e de Retrato do Artista Quando Jovem. Mas, isto são
renomes, agora, falemos de Lolita, que, à sombra do assunto polêmico, deu a
Vladimir Nabokov o status de um mestre na língua inglesa, graças à escrita
graciosa, que suplantou a obscenidade do tema, e, ora, que maravilha isto, já
que um destes renovadores e mestres era um russo imigrante, que, antes de
escrever este livro já havia escrito outros nove romances em russo, mas agora
vemos a ironia de tal entre os meios da segunda guerra e o infinito da guerra
fria, seria esta a prova de que a arte é pacificadora, não tem língua, não tem
pátria nem família?, voltemos a Joyce, que ficou cego, graças a um problema
relacionado à obscenidade, e, bem, em trinta e pouco o problema se dissolveu, e
muitas pessoas, ao passo que o pobre homem ficou cego acusaram-no, o fato por
conta da visão detratora de mundo que o homem tinha, uma bobagem cristã, que
alguns chamariam de castigo de deus, que deus malvado este que cega e limita os
poderes de fogo da escrita de tão maravilhoso homem que conseguiu elevar a
literatura em língua inglesa de simples balbuciar de palavras e fatos
transcorrentes uns por cima dos outros, aqui um salve! para Joyce, mas, o
mesmo, se tivesse ocorrido, poderíamos dizer da cegueira que acometeu um
escritor canadense chamado Wyndham Lewis, que exaltava a precisão do caos
maquinal, a modernidade e tudo o mais, não obstante isto, além, claro de fundar
o vorticismo, que, se for à “vórtice”, de acordo com o dicionário, dará num movimento
maquinal, enfim, um ser impressionante no começo do século vinte, claro é,
entretanto, examinando mais à fundo na biografia do rapaz, e não é fofoca
literária, já que tais fatos são defendidos em sua obra, foi um rapaz mui
simpático com as causas fascistas de Hitler, apoiando-o, num livro que tem um
título engraçado, que não li, entretanto, pelo título se aperceberá o que houve
de errado, The Hitler Cult and How it Will End, acho que não preciso dizer como
acabou isto, e no meio do caminho ainda houve, claro, crítica a escritores
deliberadamente de esquerda e que eram sinônimo de renovação da língua inglesa,
como a nossa depressivazinha, a Virginia Wolf, e, outra grande ironia, o
próprio um dia foi, digo dos renovadores, posto que virou assumidamente direitista,
e cego ficou, daí, se fôssemos transferir o castigo de deus ao homem, quem
mereceria o título honorável de castigado-mor? Que fique aí a questão, mas, se
não for injusto, que eu morra agora, por isso acho interessante observar estas
questões que não deixam de nos estarrecer, aliás, nós que nos interessamos pela
literatura como um todo, eu, busco não ter tanto preconceito com as outras
literaturas de línguas que não sejam neolatinas, já que provei da delícia das
linhas escritas à ponta da caneta francesa, italiana, espanhola, portuguesa,
brasileira, mas, veja lá, todos traduzidos, que ainda não tive o privilégio de
pegar nas mãos o original e ler as palavrinhas juntas na língua mãe, mas
planejo ler nosso Dom Quixote em Don
Quijote, e me surpreender pelas mãos de Miguel de Cervantes, Gabbo e seu Cien Años de Soledad, além de Alighieri,
com o paraíso, o inferno e o purgatório, lá nas delícias da França, bebendo de
Sade, que é o que mais me interessa de outras épocas, e por isso, nada tem a
ver com o que falava agora a pouco, mas sim com as outras línguas que não
neolatinas, quando estive a ler por estes dias o prefácio da tradução de Paulo
Leminski, de um dos outros renovadores da língua norte-americana, um senhor,
que também bebe das águas de Joyce, chamado John Fante, agora, mais uma das
ironias da literatura, o rapaz é um ítalo-americano, e não um puro-sangue, por
assim dizer, vagabundo, como aqueles outros rapazes da geração beat, Kerouac, Burroughs e Ginsberg, que
são jovens pelos quais bastante me interesso, que por sua vez deu origem ao
vagabundo-mor, senhor Charles Bukowski, maldito, que também era outro
não-puro-sangue, vindo dos confins da Alemanha ainda jovem, e enfim, vive
destas contradições a arte, que se dependesse do castigo de se fazer cegar os
seus artistas, estes, bravos senhores, ainda dariam um jeito de fazer maior,
penso eu, sua glória e que ceguem-nos, atem-nos até as mãos e deem nós nos
dedos, que ainda assim daremos maneira de pôr a folha o pensamento escrito!,
ah, sim, quase me esquecia, ia findar sem lembrar que dizia que lia o John
Fante com o prefácio do tradutor Paulo Leminski, que revelava antes ter
preconceito com estes pobres diabos iludidos por tantos anos em seu american way of life, posto que o que se
vê no livro é o outro lado da moeda, e por isso, além de abordar uma bela
temática ainda tinha o privilégio de sorver as inovações joycianas, aqui uma
brincadeira lúdica até com o próprio nome do homem, enfim, era uma revelação ao
Leminski, que não se deixou cegar também ele pelo preconceito que ainda temos
com algumas coisas, por isso é que vez por outra digo ao Machadinho, meu filho
cá fique um instante, que vou dar uma volta com Dostoievski pelas tabernas da
gélida Rússia do século XIX, para me embriagar de vodca, enquanto descubro
outros machados nas roupas de Raskolnikov, ou, cá fique, Jorginho, que Sartre e
Camus vão a dar um passeio pelo lado europeu da vermelhidão comunista de um e
negra do anarquismo do outro, vez por outra, dizer isto às palavras não é
nenhum pecado, por isso, desconfio, com todo respeito ao nosso senhorzinho ali
dos confins de Alagoas, Seu Suassuna, é bom se misturar e brincar de
liquidificar areia e água, ver no que dá, que xiismo, está mais que provado,
sem discordar de uma bela peneirada, dá em cegueira.
eap