até que um dia me casei. sei que não é a melhor coisa do
mundo, sempre soube, mas no fundo estava escrito que no momento em que ela me
perguntasse que sim eu jamais lhe iria dizer que não. mas pensando assim, vou
me guiando de achar que sou um crápula, que não gosto realmente dela, o que não
é verdade – mas como posso ter essa certeza? e se realmente não gostar dela a
ponto de não poder ir adiante nessa escolha? que mal há, pergunta a mim minha
cabeça, em se admitir para si que não há amor aí? não atinei para isso, e,
pensando bem, eu deveria me ter questionado disso antes, mas, tantas coisas,
que sequer sei de meu amor próprio. sentado aqui vendo-a se trocar, pôr
vestidos na minha frente, andando de calcinha e sutiã pelo quarto como se eu
fosse seu irmão, seu amigo gay, sinto que chegamos a tal ponto de nossa
intimidade que o pudor sumiu. rememorando e remoendo os três anos sete meses e
dois dias que namoramos lembro de tudo, de suas vergonhas como quando começamos
a acariciarmo-nos, dessas línguas loucas de primeiras semanas, que se
transformam nos beijos fugazes de lábios secos, dessas mãos que insistem em
encontrar a carne viva do lado de dentro, para depois manterem-se longe, essas
mãos, andando os dois no meio do shopping, no teatro e no café, dessa vontade
de se ver juntos dentro de um quarto, dentro de uma intimidade que parece nunca
vir, quando acontece, se quer e se quer e se quer, até que, a intimidade
obtida, tudo se tornou para ela chato, inclusive o sexo, ela me olha assim como
quem quer fazer outras coisas – e, demorei a ver que às vezes as mulheres querem
muito mais que isso, e é por isso que ela me olhava daquele jeito, jeito de
quem me pergunta por que cê não sente um pouco mais do meu silêncio, da minha
cor, dos meus olhos, do meu cheiro, de longe – no fundo elas amam ser amadas,
ser desejadas, sexualmente, sim, mas, mais que isso, um desejo de se tê-las, platônicas,
atônitas, agônicas e lacônicas e, aprender isso, para um homem, que nada mais é
que um bicho, é trabalho árduo – tenho amigos que sei que nunca irão aprender a
ser assim, não sei quem de nós mais errado. ela tem um sorriso em me perguntar
qual o vestido mais bonito, sorri mais ainda quando opino, ela se veste, gira
bailarina na frente do espelho, me olha por baixo dos cabelos avoados sobre
seus olhos levemente escurecidos, eu, sentado como estou, quedante o óculos da
minha cara, fico pasmo, nesse instante com a beleza dela, ela pergunta que é?,
nada, vira-se e vai ao encontro do guarda-roupas se trocar, não, não o quê?,
não se troque, por que?, porque cê tá linda daqui, ela enrubesce, e como
enrubesce?, não sei, depois de tanto tempo (alguns anos, isso não lhes direi),
levanto, vou até ela, tomo da sua cintura, não lhe beijo, sinto sua respiração
perto, e o sorriso bobo, que é que cê tem hoje?, nada, cê bebeu?, não, deito-a
na cama, deito-me ao seu lado, ponho de canto só os sapatos, ela se apressa em desabotoar
o vestido, e eu digo não, oi?, não, não tira, ela fica sem entender, então tomo
de sua mão gelada, ponho-a sobre meus ombros, tiro os óculos, abraço-a, fecho
os olhos, ela fria, sua pele, e eu quente, então ela diz que não lembrava do
quanto minha pele era quente, e eu não lembrava do quanto teu ombro é macio.
eram por volta das nove da noite, o som dos carros na janela chegavam e iam
diminuindo, até o quase silêncio, apenas seus dedos encaracolando meus cabelos
era audível. madrugada ela me diz silenciosa, cicia, eu senti tanto a tua
falta.
eap