que há demais em se mostrar
pequena parte do meu todo? quando de repente notar, já terei partido numa bela
bad trip, que há de me tragar, estrada adentro, sem sentido. quando eu for
poeta, aí sim, eu poderei me dar por inteiro a tudo, mas enquanto não, eu vou
me doando à conta-gotas, cuidando de ser ator de mim mesmo, cuidando de lapidar
minha pele, meus dedos, minha voz, meus sentires e cantares. eu todo moldado na
mentira que criei pra mim – mas mentira de poeta é arte, entretanto ainda não
sou o poeta que almejo, nunca fui nem nunca serei – sou só a parte que me resta
do meu próprio latifúndio, arando a mim mesmo a terra seca, descampando meu peito,
descampada a minha história, meus retratos, porta retratos. tudo o que eu
construí. eu vou fechar esta porta, eu vou trancá-la, vou passar a chave. nada
entra, nada sai, eu estarei longe de tudo, mas perto de qualquer coisa. poderia
até complicar mais, talvez abraçar alguém, confundir o nexo, retroceder dois
passos, sorrir, dizer que sim, que não, que sim-e-não, e então sair de encontro
ao acaso. eu encontro lá o ombro, o cheiro, os lábios semicerrados à minha
espera, toco-os com os dedos e ganho tanto quanto perco, me refestelo no meu
próprio cansaço, sorridente, e o cigarro sempre acaba quando mais se necessita,
o copo sempre esvazia. o resto é consequência.
eap