quinta-feira, 29 de dezembro de 2016
linha
trago em minhas mãos o peso dos anos
em cada linha (diz-se) uma parte de mim
meu destino, meu amor, minha fortuna.
quando, quem sabe, meu corpo tocar incansável
todas as possibilidades que lhe são justificadas
eis que sempre que puder trarei nova ênfase
ao que quer que seja meu destino.
um tempo sem fim
um nome inominável
todos os fios de finas fibras
que cortam por dentro nossos músculos
cada um deles
tecendo o tempo
como que sempre fosse possível
machucar ainda mais
essa pedra que bate no meu peito
(mas pedras não se machucam
mas pesam, imóveis
no corpo desmorto
de um ser
que toma do tempo
o infindável).
e no geral
em linhas gerais
o corpo pende para onde for preciso
abraçando a onda de horror
que vejo sempre que entro em meu quarto
e, acordado, fitando o teto,
sussurra em meu ouvido
que tudo vai ser semeado
semente dada
ao fracasso;
paz, pois, em minha cabeça,
já que de meus anseios
guardo apenas leve sustento do ar fino
que rasga minhas narinas
e transborda meu corpo
em pequenos pedaços
fazendo de mim
pequenas gotas espalhadas no oceano.
em linhas gerais
sossego meu canto em teu regaço
por mais que não cante
eu me espreguiço
como quem não precise mais vencer --
eu venci?
uma vitória sem glória
uma glória sem vitória
nem uma coisa nem outra
fazendo do meu amor próprio
a única coisa pela qual se valeu a pena lutar
desde que me conheci
e desde que te conheci
pra que a minha loucura
não te afaste tanto
porque quando ela estiver aqui
você pode contar em minhas mãos
com os dedos finos e a voz rouca
as linhas
e fazer delas
o que bem quiser.
quinta-feira, 3 de novembro de 2016
atual estado das coisas
tudo que escrevo é produto da dor
nunca fiz nada pelo belo belo belo olhar
não escrevo por opção ou por não ter mais o que fazer
na verdade tenho muito o que fazer de minha vida
e todas essas palavras ficam aqui na minha garganta
e por mais que eu queira,
só de escrevê-las, elas já perdem a força,
e escrever é meu modo mais singelo de pedir desculpas
porque eu preciso cuidar da minha vida
e o fardo que carrego de dor parece maior que meu próprio corpo
parece mais pesado do que o que posso aguentar
e eu não aguento
eu sempre torno a escrever todas essas palavras
todas essas coisas
que fazem de mim um ser de carne e osso
e sentimento
às vezes eu esqueço o quanto sou humano
e vivo como entidade
flutuo pelo mundo como uma bola de gás
um espectro que se arrasta pelas sombras
pelos cantos das paredes descascadas
pela vida que eu não escolhi.
eu não escolhi ser triste
eu não escolhi ser fraco
eu não escolhi e não posso julgar que vocês possam rir de mim
ou chorar comigo.
eu descanso meus olhos por esses anos
mas nem sei mais porque ainda insisto em escrever
porque eu não tenho escolha talvez
e deve ser por isso que esses versos se alargam tão feios
sem serem lapidados ou cuidados
simplesmente porque eu não sei como
dizer todas as coisas que eu sinto, nem nunca soube dizer em 5, 10 anos
desde que eu soube que eu podia
que eu devia
escolher não ter escolhas
e não é destino, não me entendam mal
isto que aqui vai
é puramente escolha.
não faço sentido.
desculpem por isso.
quem ler essas palavras hoje, amanhã, ou depois, espero que não as entendam mal.
não é poesia, é só confusão.
sexta-feira, 24 de junho de 2016
soneto violento
dizei em voz alta que artista viveu como um deus
sem nunca ter ido sequer uma vez até o inferno?
ou mesmo tenha vivido parte de sua vida nele?
o artista é a vingança contra a vida.
a vida trapaceia os fortes, humilha os covardes,
faz do tempo sua arma e marca a ferro e fogo
a carne de todos que ousam nela escrever seu nome.
o artista é o agente da tristeza.
o apaziguador das almas inquietas,
o rei das terras escassas no reino da solidão.
presa fácil de ser abatida,
alimento intragável de ser digerido
o artista não presta para nada.
sábado, 9 de abril de 2016
Os Filhos da Primavera
domingo, 10 de janeiro de 2016
de nem imaginar
de tanto te querer
eu te quis pra mais além
deitado em minha cama
sozinho à noite
eu imaginava
quais palavras escolher
para dizer
o quanto te esperei.
na minha cabeça
todo sinal era vago,
me guiava pelas constelações
e pelas conspirações astrais
de que dado momento
o frio da poeira estelar
iria cobrir meus dias
e colorir os teus dias
como dizem nas músicas.
tão longe
tão perto
tão sim
obviamente
era não
mas no travesseiro
eu poderia sonhar
qualquer coisa,
eu poderia supor
que um dia você chegasse
morrendo de vontade
de entregar todos os beijos
de uma semana inteira de trabalho,
de um dia inteiro de expectativa,
de uma viagem inteira de cansaço,
de amar a ser amado
dista-se um tempo
um vento
tão longe
e tão perto,
porém, nem no meu mais profundo otimismo
dentro do meu pessimismo,
eu poderia imaginar
que ao invés do frio glacial de virgo
eu iria receber o calor de um sol inteiro
orbitar em redor dele
e deixar-se alimentar
todas as raízes
com as quais pude fazer meu corpo respirar
aliviado pela vida que trouxeste
toda vez que você me entrega
todos os beijos
de uma semana inteira de trabalho,
de um dia inteiro de expectativa,
de uma viagem inteira de cansaço
tudo isso
através de um cigarro
que atravessa meu dedo
que já esteve preso
nos teus lábios.
bala(da) ao ex-amigo
há dias em que eu olho pra você,
meu ex-amigo,
e sinto pena --
pelas surras que o mundo há-de te dar --
e é pena que não fui eu a dar a primeira,
posto que antes de tudo
teu vitimismo se fez arma de suicida,
um tiro em tuas têmporas
estampido cego e surdo e seco.
mas cabe nestes versos dizer
que só o digo porque de tantos
(de ex-amigos)
dizer-te isto
é uma prova de que nunca poderei fazê-lo
friendo
e agradeço todas as noites por isso,
já que meu eu bruto truculento te fez sentir
arder uma ferida exposta de muitos anos
muitos anos antes d'eu te conhecer
é, meu amigo, antes de tudo, foste isso,
mas hoje é aquilo,
tudo é hoje
baseado em fatos reais.
tudo é hoje
baseado em fetos fecais,
tudo é hoje
baseado em fotos florais.
não é de se espantar que a vida seja tão generosa
para pessoas como você
que vivem a engatilhar o rifle da palavra
contra tantas cabeças
e o ricochete até então não ter se mostrado
suficientemente eficiente
para o olho do seu olho
olhe dentro de si,
para perceber, que por trás da barba feita
do rosto complacente
da quase idade de cristo
ainda sobra muito da poeira de onde vieste
e do canto que se fez ausente
eu lhe digo que crescer, até p'ra mim
que nunca soube o que é crescer
é o remédio mais saudável
para curar os males da alma,
ao invés de chorar tuas lágrimas
no ombro materno
como o filho único
que nunca antes havia conhecido o açoite
que é o que realmente falta
para que quando olhar-se no espelho
sentir vergonha
de vãs palavras jogadas aleatoriamente
de maneira a desfazer todos teus laços
(e já me aperreia a intimidade da segunda pessoa,
pela proximidade,
vou jogá-la para um pouco mais longe)
seus palavreados eu percebo daqui
serem medo de ser entregue
ou de descobrir
que o mundo não gira ao redor dele
e que as pessoas podem sequer se importar
com o ultraje
que é
importância
quando o que importa
é que nada importa realmente.
quantas vezes presenciou
da voz dele antes reles
antes vil
a manobra do tempo
a curva fechada
forçada
como uma queda
direto
pro abismo da solidão.