quinta-feira, 14 de agosto de 2014

engenho

em minhas salas (as muitas que tive)
nunca pude me gabar de ter fotografias
que representassem uma memória boa.
nenhum abraço apertado que se fizesse
sorriso lento, sorriso verdadeiro.

e eu nunca sorri, na verdade.

dói sorrir, pelas coisas que nem sei.
um dia, ah, um dia, quem sabe, um dia
todas essas amarguras irão saltar a sala
e se transformarão num belo tapete
que se estenderá sala adentro

e eu, quem sabe, possa sorrir.

já está tão provado que meus dias são nada.
já está tão na cara, que minha vida não é vida.
que minha vida não é minha,
que nunca serei nada enquanto daqui pra frente
não souber guiar meu guidão, minha vez

e eu, quem sabe, construa um sorriso.

na minha casa, terá uma sala que dará em flores
que darão perfume de doçura nata,
e meus filhos brincarão em volta de um cachorro
que terá o nome que eles quiserem,
tudo será tão deles, tão deles, tão eus.

e aí, eu, que já sorrio, posso refazer sorrisos.

na minha sala, tão espaçosa, tão quente de mim
estarão minhas visitas favoritas, meus amigos,
minhas poesias, meus vinhos, meus cigarros,
minhas paredes, meus violões - minha casa,
uma extensão da vida que nunca tive.

e aí, o sorriso será repleto de verdades.

mas as fotografias, elas ainda estarão ausentes,
e eu não saberei porquê, porém, haverá verdade,
haverá um mar inteiro de amor, que deitarei
por sobre a testa de minha filha, a história
que eu direi ao meu filho antes de dizer

que eu que nunca sorri hoje te sorrio.

deixarei as luzes acesas, assim queiram, porém,
estarei desperto para me deparar com o monstro
do armário, da cama, do sono ruim, do sonho mau.
velarei minha mulher, sem que lhe deixe faltar
a sua dose diária de sorrisos que eu lhe porei nos bolsos.

e eu, tão taciturno, saberei, que por trás da barba, mostro os dentes
num sorriso tão discreto.

quando, enfim, eu morrer, talvez, mas só talvez,
meu rosto refletirá um sorriso morto, de alívio,
mesmo o morto quincas berro d'água, nem ele sorrira tanto,
e aí, minha magnum opera estará feita, choram,
porém, há, de quebra, meu sorriso, engenhado desde sempre.

e eu tão mesquinho, só queria sorrir um pouco mais nessa vida.
na sala da família que serei porta retratos.

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