terça-feira, 27 de março de 2012

Verde

Before the Storm - Rolf Aamot
Três tons de verde,
desbotam num espaço
que se diz vago
entre a minha testa
e o resto do infinito.

Sei disso tudo,
que o dia
por inteiro,
se fez todo
um bocado mais bonito.

eap

sexta-feira, 23 de março de 2012

Valsar Deitado


Éramos, por assim dizer, metade amantes, metade incestuosos irmãos. Suas lágrimas, nem todas doces, algumas amargas, eu engoli todas, e da sede que me deram, foi que tomei coragem para leva-la ao meu leito, e ali, deitados, meu divã, ouvi-a, ela me ouviu, e por instantes, estes, que duram tempos que não se medem no relógio dos homens, ela me amou e tem amado com tamanha constância que meu peito arfa como fosse eu aquele jovem Proust asmático.
Caralho... Como eu gostaria de poder ter na língua essas palavras, mas, que acontece, é que, no movimento de lábios, a procura doida dentro um do outro, meu corpo só se sabe falar por signos não linguísticos – o que dizer dos instantes infinitos, onde,  eu, extasiado , contemplava teu rosto, e por fim, minha língua tinha o trabalho lento e delicado de conhecer cada ponto entumecido de doçura na carne de teu lábio – ah, o portão belíssimo de tua candura, esse sorriso, o salto triplo no vácuo, a joelhada certeira na cara, tudo do mais doce impossível dos prazeres, as coisas que eu jamais teria descoberto sem a paciência do amante oriental que sou.
No mais, o corpo é a parte mais engraçada de tudo, pois que não é que nos enxergamos pequenas crianças na descoberta boba dos sorrisos enrubescidos de curiosidade e vergonha. Shy. Já chegaste vez na vida a reconhecer que mais bela palavra pra definir aquele momento? É algo assim como o zumbido elétrico e sussurrado das guitarras do My Bloody Valentine – aquela transa sexual deles, mesmo que também vermelha de timidez, olhando o cadarço desamarrado dos sapatos, essa coisa sem sentido – aquelas pobres crianças indefesas e infelizes, como nós, atordoadas em meio ao som branco dos segundos sem cor, sem som, sem nada.
E quanto que digo, meu bem, que isto tudo, é só uma parte do todo que já chega, chega já, ao som de um carinho a passar todo dengoso, naquela sala, naquele quarto, nas cozinhas e às vezes, um banheiro. A brincadeira da cócega que queima à fogo frio de dedo molhado, sei que enraivece, mas, é de se encantar, ver o sorriso surgir, mesmo que de livre e espontânea pressão. Não te enraiveça nem entristeça – é só guardar na memória que, mesmo que para o mal, funciona o tempo inefável em favor das coisas boas.
E, bailemo-nos, que, sei desde antes, que foi tu quem me ensinou a valsar deitado, e quando de pé, minha paspalhice é maior que a de Graham Coxon naquele clipe da moça do vestido vermelho – da qual tu roubaste o encanto para me atordoar por dias e dias, esse estender-se perpetuando por semanas em minha memória, e, aí vai tua pele trigueira, me chacoalhando o peito...

eap

quinta-feira, 22 de março de 2012

Um Brevíssimo Instante

Era breve como o vento o movimento do passo.

Mas, tendo alcançado a calçada, não desalojou o olhar da pluma brevíssima de seu desejo vivo. A sensação era bem aquela: desejo em estado bruto. Dos músculos, passos rápidos, fortes, tremelicante pedra a movimentar-se por baixo dos pés.

Era o desejo com sangue em veias. Era o próprio resplendor da coisa-paixão.

Definida de alto a baixo nesse queixume de se deixar repousar pela paixão repentina, soube esvair de seu olhar  o sorver mais profundo do mais violento fumante em seu vício mais profundo -- quanto tempo não experimentara aquela sensação pavorosa do frio nas pernas, do calor que sobe e desce dentro da saia, do suor em plenos vinte e dois graus tropicais? Nada era tão raro.

Lépida, tal pernas do guepardo, assoma na esquina. Não volta nenhum olhar. 

Ele, pobre desinfeliz na encosta de seu passar mongólico, jamais saberá que seu coração pulsou rápido, teve chance, coisa rápida, única -- nunca mais são as palavras.

eap

segunda-feira, 12 de março de 2012

Pergunte ao Pó - Trechos

John Fante - escritor de Pergunte ao Pó.
Influenciou, entre outros, os escritores
da geração beat e Charles Bukowski
   Pergunte ao Pó é o livro mais famoso do ítalo-americano John Fante, que narra as desventuras no outro lado do american way of life de Arturo Bandini, o alter-ego de John Fante.

   A edição que li foi traduzida pelo sensacional Paulo Leminski, e, tal qual ele, pude experimentar a sensação boa de folhear as poucas páginas deste livro que nos diverte e nos mostra uma literatura feita com cuidados de um fã de Joyce, com um humor afiado, uma linguagem poética e uma história que nos mostra o outro lado da sociedade.

   Enfim, o livro explora a simplicidade desse cotidiano bobo, as mesquinhices, as contas a pagar no fim do mês, os rostos conhecidos e desconhecidos. A bobagem que chamamos viver, enfim.

***

  "Lá vai você por Bunker Hill, e você levanta o punho contra o céu, e eu seu o que você está pensando, Bandini. Os pensamentos de seu pai antes de você, chicote nas tuas costas, fogo em seu crânio, a culpa não é sua: este é o seu pensamento, que você nasceu pobre, filho de camponeses na miséria, pra lá e pra cá porque vocês eram pobres, fugidos da sua cidade no Colorado porque vocês eram pobres, tropeçando pelos esgotos de Los Angeles porque você é pobre, esperando escrever um livro pra ficar rico, porque aqueles que odeiam você lá no Colorado não vão odiar você se você escrever um livro. Você é um covarde, Bandini, um traidor da sua alma, um frágil mentiroso diante do seu Cristo em lágrimas. É por isso que você escreve, é por isso que seria melhor se você morresse."
[Pg. 26]


   "(...) Uma oração. Claro, uma oração: por razões sentimentais. Deus todo-poderoso, lamento que agora eu seja ateu, mas o Senhor já leu Nietzsche? Ah, que livro! (...)"
[Pg. 29]


   "Eu os tenho visto sair cambaleando de seus palácios de cinema, piscando os olhos vazios por ter de encarar a realidade de novo, cambaleando para casa, indo ler o Times para ver o que se passa no mundo. Eu tenho vomitado em seus jornais, lido sua literatura, observado seus hábitos, comido sua comida, desejado suas mulheres, bocejado diante de sua arte. Mas eu sou pobre e meu sobrenome termina com uma vogal e eles odeiam a mim e a meu pai, e ao pai do meu pai, e eles gostariam de ver meu sangue escorrer, mas eles estão velhos agora, morrendo no sol e no pó quente da estrada, e eu sou jovem e cheio de esperanças e amor por minha terra e meu tempo, e quando chamo você de sebosa não é meu coração que fala, mas a boca de uma ferida antiga, e eu estou morrendo de vergonha pela coisa horrível que fiz."
[Pg. 53]

   "-- A gente aprende a nadarem águas calmas"
[Pg. 70]

   "Que proveito tem um homem se ganha o mundo todo e sofre a perda de sua própria alma?"
[Pg. 108]

---FANTE, John. Pergunte ao Pó (Ask the Dust).
Editora Brasiliense.SÃ PAULO. 3ª ed. 1987.
Trad. Paulo Leminski.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Mulher

A todas as mulheres.
A J, que me ensinou o amor
e o respeito à sua fragilidade.
A minha mãe que ensinou a admirar a coragem.



Houve um dia em que ela acordou, olhou no espelho, teve certeza, e não precisou que ninguém lhe dissesse, nem precisariam, estava ali, tantos anos passados pela vista - e não era nenhuma velha não senhora, mas estava ali, escrito, em seu rosto, desde o dia em que nasceu que estava transcrita a sua ventura e desventura no mundo que deus criou, mas que ela viveria, ou que ela criaria qual a sua cabeça - e tantas outras vezes perguntou-se, que mau destino não teria a vida por lhe reservar, depois que se vira daquela maneira frente ao espelho.

O dia raiava raivoso, pela janela certas frestas de luz invadiam o quarto branco, o quarto nu das meninices de outrora, era agora brancura da seda fina que sentia passar a pele que a revestia desde o nascimento. Mas o amor estava posto nas curvas dos dedos, do dorso, do pescoço, das pernas, no seu jeito de rir, e até nas coisas que eram coisas e deixavam de ser para serem suas coisas, e ter consciência de sua consciência era tão mágico quanto dizer algo sobre si mesmo para o espelho e ouvir uma resposta inesperada.

Em seu ventre ainda não penetra um feto, por não querer, sentindo medo, sentindo dó de não poder ser a mãe que desejaria a um filho que viesse pôr nela os olhos de maravilhado filho quando vê diante de si o primeiro confronto de um anjo. Entretanto, já fora mãe de muitos homens com quem deitou-se e viu amanhecer o dia querendo ser embalados pelo seu braço de mãe, mulher, amante e irmã confidente, entretanto, nunca os quisera assim como os outros legítimos, que o amor ainda não batera na sua porta- apenas um desejo, uma vontade de ser e ter - os tempos dos tempos.

Apoiou-se na janela, brisa sobre o vestido, qual andar, nem contarei, mas ela, lá, sentia o sol dobrar-se à sua volta - os tempos eram outros, estudou, viu quem lutou pela causa, se era culpa do pai estar em casa agora e não nua em meio aos campos como desejava em dias de calor e de loucura, sabia que poderia ser pior, quantas cabeças não rolaram, quantos corpos não esturricaram na fogueira das vaidades dos homens de se sentirem donos da vida e da morte, e ela, que fumava seu cigarro, antes mesmo de qualquer escova de dentes penetrar sua boca, sabia que seria uma das primeiras em outras épocas - mas são tempos remotos, hoje desejam-na com gana, e tem ela a opção de dar-se ou não - e sem medo, que a primavera de seis mil rosas desabrochantes ainda aguarda aquela paixão já dita.

Findo o cigarro, olhou-se novamente no espelho, iluminou o rosto, sorriu para si, vinte anos de beleza - que rosto tinha? Eu não saberei em minhas palavras, mas Elas, Elas sabem bem que rosto têm. Adão em sua monumental patetice jamais teria descoberto a virtude da sagacidade e da sabedoria digna de um deus, e foi lá Eva a convencê-lo, qual sua formosura de corpo nu, a provar da sabedoria do mundo, dos prazeres que uma maçã poderia proporcionar - maçã que hoje, pela manhã ela levou à boca sem culpa, antes de sair para o trabalho.

eap

segunda-feira, 5 de março de 2012

Ah, Tua Leveza...


Te digo que apesar dos pesares
a leveza de tua calma
me faz ainda querer o peso
de dias e mais dias de tranquila sinfonia
desse inominável, esse não-se-sabe-o-quê,
um amar por-amar-e-pronto,
que justificar o amor não evidencia
tudo o quanto o faz mover aqui dentro.

Te digo que apesar dos pesares,
eu aguento o fardo,
eu levo a carga na cabeça,
o destempero absoluto
de amar mais que supunha
ser a minha capacidade.

Sem músculos, veias, artérias
o abstrato colorido de fumaças
que se entrechocam, e misturadas
são coisa só - a leveza da pluma
a leveza das asas de uma abelha
que fareja no ar o mel.

eap