quarta-feira, 7 de março de 2012

Mulher

A todas as mulheres.
A J, que me ensinou o amor
e o respeito à sua fragilidade.
A minha mãe que ensinou a admirar a coragem.



Houve um dia em que ela acordou, olhou no espelho, teve certeza, e não precisou que ninguém lhe dissesse, nem precisariam, estava ali, tantos anos passados pela vista - e não era nenhuma velha não senhora, mas estava ali, escrito, em seu rosto, desde o dia em que nasceu que estava transcrita a sua ventura e desventura no mundo que deus criou, mas que ela viveria, ou que ela criaria qual a sua cabeça - e tantas outras vezes perguntou-se, que mau destino não teria a vida por lhe reservar, depois que se vira daquela maneira frente ao espelho.

O dia raiava raivoso, pela janela certas frestas de luz invadiam o quarto branco, o quarto nu das meninices de outrora, era agora brancura da seda fina que sentia passar a pele que a revestia desde o nascimento. Mas o amor estava posto nas curvas dos dedos, do dorso, do pescoço, das pernas, no seu jeito de rir, e até nas coisas que eram coisas e deixavam de ser para serem suas coisas, e ter consciência de sua consciência era tão mágico quanto dizer algo sobre si mesmo para o espelho e ouvir uma resposta inesperada.

Em seu ventre ainda não penetra um feto, por não querer, sentindo medo, sentindo dó de não poder ser a mãe que desejaria a um filho que viesse pôr nela os olhos de maravilhado filho quando vê diante de si o primeiro confronto de um anjo. Entretanto, já fora mãe de muitos homens com quem deitou-se e viu amanhecer o dia querendo ser embalados pelo seu braço de mãe, mulher, amante e irmã confidente, entretanto, nunca os quisera assim como os outros legítimos, que o amor ainda não batera na sua porta- apenas um desejo, uma vontade de ser e ter - os tempos dos tempos.

Apoiou-se na janela, brisa sobre o vestido, qual andar, nem contarei, mas ela, lá, sentia o sol dobrar-se à sua volta - os tempos eram outros, estudou, viu quem lutou pela causa, se era culpa do pai estar em casa agora e não nua em meio aos campos como desejava em dias de calor e de loucura, sabia que poderia ser pior, quantas cabeças não rolaram, quantos corpos não esturricaram na fogueira das vaidades dos homens de se sentirem donos da vida e da morte, e ela, que fumava seu cigarro, antes mesmo de qualquer escova de dentes penetrar sua boca, sabia que seria uma das primeiras em outras épocas - mas são tempos remotos, hoje desejam-na com gana, e tem ela a opção de dar-se ou não - e sem medo, que a primavera de seis mil rosas desabrochantes ainda aguarda aquela paixão já dita.

Findo o cigarro, olhou-se novamente no espelho, iluminou o rosto, sorriu para si, vinte anos de beleza - que rosto tinha? Eu não saberei em minhas palavras, mas Elas, Elas sabem bem que rosto têm. Adão em sua monumental patetice jamais teria descoberto a virtude da sagacidade e da sabedoria digna de um deus, e foi lá Eva a convencê-lo, qual sua formosura de corpo nu, a provar da sabedoria do mundo, dos prazeres que uma maçã poderia proporcionar - maçã que hoje, pela manhã ela levou à boca sem culpa, antes de sair para o trabalho.

eap

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