quinta-feira, 5 de maio de 2011

A Moça que Vai



Que ficou naquele dia além da vontade de ir embora dela? Pouca coisa, quase nada. Levava na bolsa umas tantas calcinhas, calças jeans, camisas diversas, dobradas do jeito que a mãe havia lhe ensinado durante toda a vida e aquele dinheiro que era reservado para comprar seus alimentos. Não queria uma vida de sexo, drogas e rock, como manda a tradição das meninas que se seguem pela estrada longínqua que leva sabe-lá-Deus-a-onde. Queria a paz que não encontrava em lugar nenhum, nem em seu curso, nem nos cantos das paredes sujas de sua casa – que ela odiava desde sempre, amaldiçoava a saída da última casa, tão boa, tão espaçosa, tão perto de tudo.

Queria poder chorar, mas que lágrimas foram aquelas derramadas tanta madrugada? Cheio o travesseiro, o lençol do sal que lhe esborrotava dos olhos, torrenciais. Pobre dela, pobre de todos os culpados. A boleia de um caminhão lhe dava medo, calafrios, subiam-lhe mesmo à espinha só de pensar, citar, cogitar, como agora. Pensar que seu corpo poderia ser tocado, etc., lhe dava medo, receio – e não era por isso que fugia? Teodoro, muito lhe fez mal, o mal feito, e nada de retornar-lhe o amor com que lhe deu. Teodoro era o espelho de um jogo de espelhos que são todos os homens, com seu desejo em carne viva. Queria vê-los maculados, como ia ela agora, no caminho da estrada tortuosa, que era uma subida íngreme, cheia de vacilos, pedras, onde suas sandálias deslizavam, faziam-na temer, mas ela ia, seguia, subia, não olhava o que tivera andado, mais por medo de que lhe reconhecessem a mochila colorida e seguissem em seu encalço que por qualquer outra coisa. Mas já ia um caminho longo, não valia a pena nem voltar nem hesitar: Seguir, só em frente, sem parar nunca, essa era a regra.

Só de lembrar que, quando mocinha, tinha a esperança de ser beijada como uma princesa, daquelas belas que via em desenhos, mas viu que a puberdade lhe chegou como bicho estranho que lhe despertava calores, olhares desejosos, esquisitos – mas que ela bem sabia não serem certos, mas então, por que, meu Deus? Por que me fizeste fraca, se, como diz o poeta, sabias que eu não era forte, que eu não era Deus? Pensava às vezes, quando pelas suas mãos as mãos de Victor, Dênis, Pablo, Ari – ah, Ari – faziam-se presentes a lhe acariciar. Em seu corpo descobriu seios pequenos que não eram os mesmos de Angélica, de Lucinha, de Carol, de Patrícia... Eram pequenos botões de rosa, belos, escondidos por trás de roupinhas frágeis, ingênuas, infantis que seus pais escolhiam.

Revoltosa, criou coragem de seguir que sua cabeça queria fazer. O irmão, Sandro, sabia que poderia fazer o que quisesse, sair pr’onde quer que fosse, sendo mais jovem uns tantos anos, e comia todas as irmãs mais novas de suas amigas e de meninas que nem conhecia e o pai a se orgulhar, inchado de si, do filho que era imagem e semelhança de quando era jovem, bonitão, meu filhinho, dizia a mãe, cheio de namoradinhas, com quinze aninhos. Festa, cigarro e cerveja: tudo pra ele pode. Para ela? Nada. Fica só o grito estridente a lhe chamar para o quarto, posto que são dez horas da noite.

Fim de papo, fim de festa. Primeiro carro que aparecer me enfurno dentro, pensou quando ganhou a estrada. Os sapatos lhe feriam as canelas impiedosamente – a botinha all star que ganhara do pai no fim do ano passado (pisante de sonhos) ia comendo asfalto largo, até que pára ao seu lado ao chamado do polegar inquieto que fica sobre a mão chamando, clamando para que lha vejam, a mocinha na flor da juventude, maquiagem borrada da lágrima salgada – já amarga da cor negra que lhe entra boca adentro – o carro encosta, abre a porta, espanto inicial, o carro igual ao do pai, no entanto, dentro, um homem barbado e sujo.

E,a,p'

2 comentários:

MJFortuna disse...

Você faz uma bela leitura da alma feminina. Seu texto desperta interêsse! Parabéns! Espero que continue a nos brindar com belos contos.

Um abraço
Maria J Fortuna

Eliézer Araújo disse...

Só agradeço pelo elogio, e que bom que desperta interesse, mesmo com o ritmo compassado, como esse ficou!

Obrigado mesmo!

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