Ator é ser de
mil faces – claro é – e, para Jesus, qualquer um seria o próprio, a carne da
encarnação – correndo os riscos do sangue do cordeiro derramado no olho
enquanto se tenta enxergar a luz divina – um holofote.
Sei disso,
porque, no ofício de escrevente, há uma ponta e uma ponte de atuação: é um ser
que não é nem sou; aquela dor que deveras sente de Pessoa. Enfim, assim é a
arte.
Mas, por Jesus
um ator clamava.
O papel dele,
digo. E por esse Jesus, ele tudo fez: deixou longa e vasta madeixa escorrida
pelos ombros durante todo o ano em que, na Paixão de Cristo de sua cidade,
tivera sido Pedro. Na sua cabeça não entrava Pedro.
Pedro lhe parecia
gordura e cabelos brancos, coisa que não tinha. Mas, em breve teria – já em sua
certidão de idade lhe bateria as três décadas, e então, nem Cristo, nem nada.
Lhe sobrasse a lembrança do Nazareno seria muito: o pai que na terra lhe deu o
nome de filho – aquele ser esquecido!
Pedro, assim, não lhe parecia tão má ideia, tão mau destino.
Pedro, assim, não lhe parecia tão má ideia, tão mau destino.
Pela tela da
tevê não poderia passar o esforço no pequeno teatro. Jesus, sim, seria ele!
Quisera assim
o destino que não lhe fosse seu este papel – o Outro, ou, o enviado do Outro
era seu papel. Anos de estudo, de esforço, de lágrimas sonhadas e derramadas
com o esforço da arte para ser Judas! Poder-se-ia aproveitar ao menos a barba,
os cabelos... É a vida.
Conformado ia
ao seu devido papel.
– por acaso
serei eu? perguntava bobo e patético, a fala mais importante – odiado por
todos, tanto se lhe fazia ser ou não o melhor.
Cristo na cruz
de madeira. Lágrimas de todos os devotos, de todas as ratas de igreja, terço
correndo pelos dedos, mãos nos olhos e a voz de Deus retumbante nos quatro
cantos do cenário improvisado no deserto da caatinga.
– pai, por que
me abandonaste? grita o ator em júbilo suprema e a comoção quem sente é Judas,
que entrará na cena seguinte, posto que chora, e todos, ao chorar, acham que é
da emoção.
– perdoai, eles
não sabem o que fazem! e enfim o suspiro, mas eis que a história, esta
madrasta, não acaba na humilhação do ressuscitar do terceiro dia. Eis o nó na
garganta e da garganta de Judas, presos por uma corda grossa, do salto triplo
em direção à morte feroz – a vergonha da família, a magreza do cachorro leproso
do quintal, o desiludido pobre diabo, o Outro.
A cabeça roxa
pendia, e a língua, meio palmo, fora da gaveta.
O susto da
imagem valeu pela preocupação com Judas. As vaias se transformaram em choro. As
moedas de Judas caídas, pobre latão enferrujado: o desejo do homem; o cadarço no
pescoço.
eap
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