segunda-feira, 9 de abril de 2012

Ai de ti, Judas

Ator é ser de mil faces – claro é – e, para Jesus, qualquer um seria o próprio, a carne da encarnação – correndo os riscos do sangue do cordeiro derramado no olho enquanto se tenta enxergar a luz divina – um holofote.
Sei disso, porque, no ofício de escrevente, há uma ponta e uma ponte de atuação: é um ser que não é nem sou; aquela dor que deveras sente de Pessoa. Enfim, assim é a arte.
Mas, por Jesus um ator clamava.
O papel dele, digo. E por esse Jesus, ele tudo fez: deixou longa e vasta madeixa escorrida pelos ombros durante todo o ano em que, na Paixão de Cristo de sua cidade, tivera sido Pedro. Na sua cabeça não entrava Pedro.
Pedro lhe parecia gordura e cabelos brancos, coisa que não tinha. Mas, em breve teria – já em sua certidão de idade lhe bateria as três décadas, e então, nem Cristo, nem nada. Lhe sobrasse a lembrança do Nazareno seria muito: o pai que na terra lhe deu o nome de filho – aquele ser esquecido!
Pedro, assim, não lhe parecia tão má ideia, tão mau destino.
Pela tela da tevê não poderia passar o esforço no pequeno teatro. Jesus, sim, seria ele!
Quisera assim o destino que não lhe fosse seu este papel – o Outro, ou, o enviado do Outro era seu papel. Anos de estudo, de esforço, de lágrimas sonhadas e derramadas com o esforço da arte para ser Judas! Poder-se-ia aproveitar ao menos a barba, os cabelos... É a vida.
Conformado ia ao seu devido papel.
– por acaso serei eu? perguntava bobo e patético, a fala mais importante – odiado por todos, tanto se lhe fazia ser ou não o melhor.
Cristo na cruz de madeira. Lágrimas de todos os devotos, de todas as ratas de igreja, terço correndo pelos dedos, mãos nos olhos e a voz de Deus retumbante nos quatro cantos do cenário improvisado no deserto da caatinga.
– pai, por que me abandonaste? grita o ator em júbilo suprema e a comoção quem sente é Judas, que entrará na cena seguinte, posto que chora, e todos, ao chorar, acham que é da emoção.
– perdoai, eles não sabem o que fazem! e enfim o suspiro, mas eis que a história, esta madrasta, não acaba na humilhação do ressuscitar do terceiro dia. Eis o nó na garganta e da garganta de Judas, presos por uma corda grossa, do salto triplo em direção à morte feroz – a vergonha da família, a magreza do cachorro leproso do quintal, o desiludido pobre diabo, o Outro.
A cabeça roxa pendia, e a língua, meio palmo, fora da gaveta.
O susto da imagem valeu pela preocupação com Judas. As vaias se transformaram em choro. As moedas de Judas caídas, pobre latão enferrujado: o desejo do homem; o cadarço no pescoço.

eap

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