quinta-feira, 26 de abril de 2012

Nadar

Naquela hora eu sequer me preocupei com o motivo. Atinei apenas, que contanto eu ficasse ali deitado, tudo estava bem. Minha garganta coçou, eu tossi, uma gosma purulenta. Sangue, pus, catarro, sei lá. Fechei os olhos, sujei minha cara. Com um tempo a dor vai passar. No meio do trânsito, as pessoas buzinavam, sem nenhum movimento meu, apenas a minha perna, que se mexia sem que eu quisesse. De repente tudo até parecia fazer sentido. Falei que não havia nada. Só o mesmo céu que nos recobre, aliás, céu não: infinito cor de infinito, extenso infinito por todo o infinito infinitando, infinitante. Quem fez, não sei que motivo ou razão teve. Talvez meu rosto não fosse lá essa maravilha toda de ser apreciada; o fato, talvez, de estar fumando, repulsa ao meu tamanho, deste tamanho, fumando? Como dizer nos olhos deste rapaz que eu tenho vinte e um anos de. Vida. Morte agora. Vivi vinte anos para morrer. Duas décadas onde me perpetuei por algum tempo em perguntar para as paredes por que não em tal época, por que não de tal maneira. Tudo beleza. Quase gritei de dor, mas o ímpeto do pescoço se fez inútil, como todos os movimentos que dei desde o primeiro chute na barriga de minha mãe, desde o primeiro passo, à primeira palavra, até o dia em que amei, odiei, matei, algum animal, sei lá, feri certos sentimentos, pessoas de quem eu tinha apreço, de repente não tive mais, como deitar-se neste lençol de asfalto liso. Complicado viver. Mais fácil morrer. Olhe você: parado, tranquilo, cerradas pálpebras, sem obrigação de ter pressa, sem obrigação de ir a lugar nenhum, fazer nada, fazer tudo -- eu diria, nadar, tudar. Sequer esperar. Não espero nada, embora alguém esteja gritando por uma ambulância. Minha calça parece tão desnecessária, desprovida de utilidade -- inútil como tudo. Queria estar nu. Uma formiga passa pelos meus dedos, uma barata, não vejo. Só ouvi o grito, o baque veio depois, diz alguém, e eu achando que tivesse sido o contrário. Contração involuntária: meus olhos se abrem novamente. Tanta gente, meu deus, tantos rostos, e eu, que dobrara a esquina me sentindo tão só, tão solitário, o cigarro, meu único companheiro, e meus botões, com quem poetava, e meus pés, passos rápidos, sem pisar em nenhuma linha -- inútil, como tudo. Eu queria tanto que essas pessoas me amassem de verdade. Ou não, queria tanto que elas me deixassem pra morrer, como sempre nos deixam. Uma ambulância chega, põe-me sobre uma maca -- essa porra estava aí o tempo todo? não importa. Nick Cave fica na minha cabeça cheio de ternura devaneando seu barítono meloso, e vejo que contradição, ou que grata surpresa aquela música em minha cabeça, sua letra, que diz, que people ain't no good, enquanto todos se desmedem em cuidados em me pôr confortavelmente dentro da ambulância. Tudo inútil. Eu queria poder abraçar minha mãe, meus irmãos, meu filho, minha ex-esposa, queria tanto pedir até, quem sabe, desculpas. Tudo inútil. Queria matar meu pai. Tudo inútil. A voz diz alguma coisa, entendo como. Tudo inútil. Vai morrer. Tudo inú

eap

Nick Cave and The Bad Seeds -- "People Ain't No Good"

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