sábado, 22 de fevereiro de 2014

paisagem móvel ii

para j
teu corpo colore uma tarde
com tinta-fábula, estremece minha parede
e no fim da noite prossigo,
amado e cúmplice, das enevoações do ser,
não, porém, refestelando-se pelas amostras,
e te conservas em casa, ou noutras ruas
para que o gosto do osso exposto ao sol
não venha assim a perfumar minhas narinas.
não pareço são em procurar-te, nem assim o quero parecer
(buscas são chaves duma loucura
mui particular)
mas tuas agruras quero estar ouvinte, senti-las,
faz parte da paisagem com que te fizeste, certa cor
de queimada do sol, de ressequida pelo tempo,
de amarelo-ser: pois agora te tornas outra
e vou admirar
o quadro pintado, revelado, austero, sincero.
nem pluma nem brasa corroi tua superfície
por si só profunda em tudo.
domino-me duas vezes mais - enlameadas as mãos
na tua pele-barro, tua voz-veludo, tuas mãos de nuvem
teu existir criado -- onde essa claridão some,
sou renome pintado
na borda inferior do objeto em que te fiz arte
hoje andas pelas ruas,
se andas, nelas te fazes vistosa aurora
apreciam-te uns poucos - outros amantes
e na verdade, sou moeda de troca
na hora em que trocam-se os olhares
*
tua paisagem se modifica
e nela fica de lembrança a outra coisa
da qual não evidencia tua convivência caseira.
claquete, vislumbre do último ato,
sinfonia em ré menor, tristonha
atenta às tuas olheiras,
o dia avança e a mente regressa
pelas calçadas outras
onde outrora uma mulher se jogou do quinto andar --
adivinho teus passos, e o olhar pro céu.
te refaço novamente.
eap

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