Pode me ferir
Mais que minha
Própria existência natimorta
Esgueirando pelas paredes
De becos e vielas sujas
De tijolo vermelho
Sem reboco, sem acabamento
Fugindo, talvez inalcançável,
Vou me ferindo pelo caminho
E essa fuga sem par
Indo para lugar algum
Onde eu estava
Eu estava
E era impossível
Fugir de mim
E era viciante existir
Sem se ver
Houve dias em que
Sonhei acordado
Com o futuro
E esqueci meu rosto
Em seu lugar, eram outros
Disformes, que pretendiam
Me assombrar profundamente
Como quisessem me separar de mim
E eu percorria os corredores
De memória futura
Com tal placidez
Em busca do meu rosto
Sem nunca encontrar
E isso trazia uma aflição
Que me alimentou mais que o próprio pão
Quando finalmente despertei
Sem nunca ter dormido
Soube que eu estava acabado
E cansado de tanto eu.
Talvez tenham razão aqueles
Que me esquecem
Posto que também eu tendo
A me esquecer
Colado ao chão
Num calor infernal
Tento tomar tento
E norte.
Existe algo
E eu quero tanto
Para que a solidão seja
Perfeita
Sentar no sofá no fim de tarde
Sem pressa
De chegar em lugar nenhum.
O silêncio me cai bem
E talvez haja uma mudança no horizonte
Pois que tal carranca
Eu macambúzio e torpe
Posso encarar a obra finda
Com uma vastidão de braços e abraços.
Um dia, será?
Será que tornarei a sonhar como antes?
Quero perecer sem pressa
Quero meu tempo bom -
A injustiça de nunca ter paz
Essa não quero levar comigo.
Todo mundo merece ser feliz
Mesmo que não queira
Mesmo os escravos da angústia
Merecem sorrir sem medo
E contemplar um momento na vida
Que valha a pena o presente.
Eu tenho fé.
0 comentários:
Postar um comentário