quinta-feira, 6 de junho de 2024

fim.

 esta será a última postagem deste blog.

em primeiro lugar: obrigado a quem acompanhou, mesmo que minimamente todos os versos e linhas deste que foi o meu local seguro por muitos anos. por aqui passaram e ficarão anos e anos de bons versos, maus versos, poemas medíocres, em sua maioria, e, quem os leu vai ver em parte uma autobiografia em versos - completa em subjetividade, de amores, de arrependimentos (sobretudo) além de sensações que experimentei ao longo dos anos e registei sempre que pude (sim, to falando de droga).

em segundo lugar: dos motivos. primeiramente, psíquico. estou tomado por dores e desejos de retomar pontas soltas e, particularmente, esse motivo, me é o mais doloroso, pois revisito velhos versos, futucando minhas feridas, sem necessidade, pois, versos manjados, “o passado é uma roupa que não nos serve mais” por mais que eu queira (embora eu não trate essas lembranças com esse desdém - não mais, pelo menos - pelo contrário: esse carinho, esse amor, eu quero conservar saudável). a nostalgia é um lugar perigoso. e, talvez, o passado queira ser deixado em paz, pois que ele não tem culpa do meu tormento presente - eu que lute e resolva (e tenho tentado resolver, juro). mas isso é apenas o que eu acho.

processo bizarro esse, de estar sendo ferido pelas minhas próprias palavras.

outro motivo é o tempo, o formato e a forma. ando em um momento crucial de minha vida e quase não tenho tido tempo de dedicar a esse ofício com as palavras. o blogger está morto e a forma é o próprio modo de ser do verso. este espaço chegou ao seu limite. insistir nessa plataforma é falar para as paredes - e, sim, tenho pretensão de levar isso adiante, de forma séria, afinal, escrever para mim nunca foi uma escolha. 

em terceiro, finalmente: você poderá encontrar alguns desses versos no instagram. página de mesmo nome, tudo igual, iniciei um processo lento de selecionar os melhores, creio que estou conseguindo (e se são poucos é porque o tempo passou e o senso crítico apurou). não sei com que frequência alimentarei ou se levarei adiante lá, mas não custa tentar.

há ainda poemas longos que, particularmente, estou com preguiça de formatar. findo esse processo, talvez eu delete o blog de uma só vez, para não cair em tentação. quanto tempo vai levar até isso acontecer? bom, depende de quanto tempo vai levar nesse processo de levar daqui somente o que é minimamente interessante. mas não estou bem certo ainda.

no mais, passo a corrente, o ferrolho e o cadeado. não posso dizer que foi sempre um prazer estar aqui desde 2010 (caramba, fazem 14 anos), rs, mas foi bom ver pessoas comentando “me identifiquei” ou “entendi” - de alguma forma me sentia menos sozinho no mundo. bobagem, né? mas essas pequenas validações em certa medida foram combustível de continuidade.

caso queiram referenciar, usar (por incrível que pareça já aconteceu) ou coisa que o valha, entrem em contato comigo que resolvemos: jozejosias@gmail.com

até a vista - seja no instagram ou em outra mídia.

com carinho, cansaço e frustração,

eap

quarta-feira, 5 de junho de 2024

o amor que levo

tenho teu amor de vingança
para me proteger
dos perigos de um mundo tão duro.
e é bom ainda saber
que eu tenho um amor espada e escudo
metralhadora, míssil, arpão,
tenho teu amor de herança
que molda tua memória como artesão.

tenho teu amor em mistério,
que guardo comigo no peito
e rogo que não seja estéril
posto que ele por mim foi desfeito,
e as culpas desse amor misterioso
queimaram minha pele morena
descascadas, fiz delas couraça
pra me proteger do desamor insiodioso.

carrego teu amor de bagagem
que quando a mente atormenta,
pesa uma tonelada,
quando vou em paz, alimenta,
é cura, remédio ameno,
amor-mantimento: curativo, muleta
amor-mercúrio: corrosivo, veneno.

encrostado teu amor enquanto tatuagem
dor boa enquanto feita
marcado em tinta escura
cicatriz que o tempo enfeita
as cores já até desbotam,
mas preso em mim eternamente
enquanto dura.

um cigarro, outro

um cigarro no outro cigarro
e a vida já não é mais a mesma.
passaram-se alguns anos
e cresceu o muco e o pigarro
a voz retumba e falha, 
tic tac, chama acesa.

a voz, dois semitons abaixo,
torna toda música lúgubre:
retumba tristonho o barítono
como se cantadas para marcha fúnebre

o violão afinado em ré,
ressoa notas menores
tem graça esse peso até
que adorna em verso o som.
drone repetitivo e monótono
sempre desafinado, fora do tom.

um cigarro, mais um
madrugada empestada de fumo
um ídolo morto agoura
enquanto vagueio insone pela casa
 o rosto remendado, taciturno.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

pulso

tropeço nas pedras, inválido.
consigo premeditar o estampido
porém, refém da gravidade, caio,
boca na sarjeta pr’onde verte o córrego
e na rua escura, minha tragédia
é rir da comédia que faz chorar.
as feridas vertem sangue
que se misturam às turvas águas.
já acodem meu corpo,
peso de uma vida a reboque
de uma desenganada morbidez
que floresce do descaso
com que venho tratado a mim.
escolho o sofrimento pelo conforto
e essas palavras pululam a derme
encharcada de sujeira que, satisfeito,
recolho de mão cheia.
voltam velhos pensamentos,
mas com tal intensidade,
que chegam às vias de fato,
enquanto recolho meus ossos e gordura.
o doutor-açougueiro sutura
o rombo abissal que me amedronta
e me fascina;
profere palavras de cautela
enquanto a inflamação lancina
fisga firmemente e febrila
madrugada adentro, alucinado,
confeccionando a mortalha de minha algoz
que porta bate estaca
enquanto sua silhueta se agiganta.
febril, 39 graus.
vocifero blasfêmias como possuído,
mas não há demônio,
somente o pobre diabo,
que desejou ter partido infeccionado
untado num sarcófago de cera
feita de meu próprio pus enrijecido.

mar de musgo

rascunho velhos versos
em busca de coisas perdidas
como se garranchos mal-acabados
pudessem me dizer mais
que meu mapa astral

e conforme lembro
deflagro guerra contra mim
na vontade de sentir novamente
sentimentos antigos
sem pestanejar

navego sem norte
pelo mar de musgo
que revolve minhas braçadas,
pesadas braçadas,
que me prendem no mesmo lugar

uma guerra vã contra a memória
recheada de culpa
recheada de mágoa
e alimenta os dias mais solitários
sem cansar, ressaca escura.

refazer a trilha, bússola retida
incansavelmente perdida
parte do momento que errei
e deixei para trás
tudo o que tinha certo
ao sul de lugar algum.

mas quais correntes são verdadeiras
quais são inventadas 
pela ilusão da terra firme
essas memórias lancinaram
meus ossos e órgãos
com a gravidade
de 1 tonelada de mágoas

uma sereia surrada lembra:
"quem bate não lembra
só quem apanha",
pois olhai para mim
que bati e lembro
de cada segundo!

queria não querer esquecer
tudo isso que senti
faz parte de mim
parte de você
e aprofunda pelas braçadas
de chegar à terra firme
tão perto
e tão longe.

morrer de sede na água salobra
livre na imensidão
preso pelo peso
de dias intranquilos.