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James Tissot - "Caim conduzindo Abel à morte" |
Passada
a biografia absolutamente parcial do autor, vamos ao livro, que conta com pouco
mais de cento e oitenta páginas, todas elas permeadas de um humor absolutamente
incomum ao pouco que li de Saramago, que, costumeiramente tem um humor muito
reservado, quando o tem, costuma ser negro, e uma linguagem austera; neste
livro, entretanto, vemos um narrador que nos vai saindo absolutamente irônico e
sarcástico do início ao fim, posto que sua temática e história nos pede que
seja assim, e, este mesmo narrador, nos mostra o Velho Testamento desde o Gênesis,
passando por Jó e indo até o Dilúvio, sempre com os comentários perniciosos do
narrador que não hesita, na cena em que Isaac vai a ser sacrificado por seu pai,
em chamar o deus vaidoso de filho da puta, conquanto o anjo que viria a salvar
Isaac e avisar que estava provado que Abraão era temente a deus justifica o
atraso responsabilizado algumas nuvens e que uma de suas asas estava com
defeito (a pena da galhofa machadiana!). A história, obviamente, vai ao
encontro do fantástico, mas vai guiada com mão firme, mesmo que a linearidade
seja interrompida por sonhos que poderiam ser ou não partes da realidade vivida
pelo protagonista Caim, que a cada vez que dorme acorda (ou sonha) estar numa
parte diferente do Antigo Testamento.
Importante
frisar a importância de passagens memoráveis como esta já citada e também
outras, como o despropósito da aposta entre deus e o diabo sobre a fé de Jó,
além das primeiras palavras, que habitavam ainda o Éden, a criação divina, que
se juntam a introduções antológicas, tais como A Metamorfose, O Processo (ambos
de Kafka) e O Estrangeiro de Albert Camus, onde o narrador nos confronta ao
sentido semântico da frase lá posta, pouco conclusiva. No mais, ainda há o caso
de Sodoma e Gomorra, as guerras santas travadas pelos Judeus, que mataram
muitos inocentes em nome do senhor deus, e aqui, a narrativa parece assumir nas
cabeças a voz do próprio Saramago, questionando até onde vai esta prova de fé –
aqui um dos capítulos mais interessantes do livro.
Isto,
sem falar no último capítulo que faz com que o livro seja arrematado com
maestria – que não hei de revelar – que, aos niilistas poderia ser o seu sonho
mais profundo, caso, e só caso, acreditassem em alguma coisa já dita. Como
objeto de estudo à religião, suscita, com louvores, as dúvidas que quer, como
literatura, é um Saramago puro-sangue, sujas as letras e vírgulas de seu
pensamento mais profundo (para os católicos, profano) sobre o rumo que tomou a
sociedade ocidental, que bem sabemos ser
orientada em parte pelo pensamento judaico-cristão, responsável, segundo
seu autor, por parte dos problemas que são refletidos desde muito tempo na vida
de todos. Caim é, enfim, o término perfeito para uma carreira bem sucedida como
escritor, sem lastimar nenhuma hipocrisia, posto que Saramago fora honesto aos
seus princípios desde Terra do Pecado, da década de 50 até este Caim, que prova
não somente seu papel de escritor, mas também de cidadão pensante.
eap
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