sábado, 7 de janeiro de 2012

Caim de José Saramago


Apesar de não ter passado pela coluna ali ao lado logo abaixo, li Caim, de José Saramago, e posso dizer que fora uma das mais interessantes incursões que fiz no gajo desde conheci-o – falo assim como tivesse a autoridade de ter lido toda a obra de Saramago [li apenas alguns (Ensaio Sobre A Lucidez, Ensaio Sobre A Cegueira, O Homem Duplicado, O Conto da Ilha Desconhecida, Objecto Quase, além deste)], entretanto, o que me faz querer um bem tão grande a este escritor em especial, o mais numeroso em minha estante, são as ideias que leva consigo e que consegue transpor para suas palavras. Uma dessas ideias, o ateísmo, é um dos pontos mais conhecidos, não apenas de suas obras, mas também de sua biografia, posto que poucas foram as pessoas que o defenderam como ele o fez, transformando-o num dos maiores defensores desta causa, e, para além da ideologia, escreveu um romance que foi o responsável pelo seu autoexílio nas Ilhas de Lanzarote e que também foi o responsável por um silêncio entre o Estado português que perdurou até quase sua morte, este livro foi O Evangelho Segundo Jesus Cristo, que, pouco que li sobre, fala sobre uma desmistificação da Sagrada Família. Desde então permaneceu com seus romances alegóricos, como O Ensaio Sobre A Cegueira, entretanto em 2009, qual não foi nossa surpresa, que depois de um período de fragilidade de saúde, nos sai um romance que já é provocativo inclusive pelo título: Caim. Pondo aí que, indo por aí dos oitenta e tantos anos, Saramago não pensava nem objetava retroceder em seus pensamentos, arrepender-se e desfazer muitos anos. O destino, irrefutável, quis que esta fosse a sua última obra – o que se seguiu com Claraboia foi um livro que o autor escrevera nos idos da década de 60, e que fora negado pelas editoras, e que, a pedido do autor, permaneceria inédito até sua morte (na cronologia, seria seu segundo romance depois de Terra do Pecado), mas, Saramago é um nome tão popular e chamativo, que o livro hoje vai muito bem de vendas, obrigado, o que aconteceu com Caim, que permaneceu muito tempo entre os mais vendidos do Brasil quando lançado, e que provavelmente vá acontecer com o seu romance inacabado que prometeram já ser lançado em 2012.

James Tissot - "Caim
conduzindo Abel à
morte"
Passada a biografia absolutamente parcial do autor, vamos ao livro, que conta com pouco mais de cento e oitenta páginas, todas elas permeadas de um humor absolutamente incomum ao pouco que li de Saramago, que, costumeiramente tem um humor muito reservado, quando o tem, costuma ser negro, e uma linguagem austera; neste livro, entretanto, vemos um narrador que nos vai saindo absolutamente irônico e sarcástico do início ao fim, posto que sua temática e história nos pede que seja assim, e, este mesmo narrador, nos mostra o Velho Testamento desde o Gênesis, passando por Jó e indo até o Dilúvio, sempre com os comentários perniciosos do narrador que não hesita, na cena em que Isaac vai a ser sacrificado por seu pai, em chamar o deus vaidoso de filho da puta, conquanto o anjo que viria a salvar Isaac e avisar que estava provado que Abraão era temente a deus justifica o atraso responsabilizado algumas nuvens e que uma de suas asas estava com defeito (a pena da galhofa machadiana!). A história, obviamente, vai ao encontro do fantástico, mas vai guiada com mão firme, mesmo que a linearidade seja interrompida por sonhos que poderiam ser ou não partes da realidade vivida pelo protagonista Caim, que a cada vez que dorme acorda (ou sonha) estar numa parte diferente do Antigo Testamento.

Importante frisar a importância de passagens memoráveis como esta já citada e também outras, como o despropósito da aposta entre deus e o diabo sobre a fé de Jó, além das primeiras palavras, que habitavam ainda o Éden, a criação divina, que se juntam a introduções antológicas, tais como A Metamorfose, O Processo (ambos de Kafka) e O Estrangeiro de Albert Camus, onde o narrador nos confronta ao sentido semântico da frase lá posta, pouco conclusiva. No mais, ainda há o caso de Sodoma e Gomorra, as guerras santas travadas pelos Judeus, que mataram muitos inocentes em nome do senhor deus, e aqui, a narrativa parece assumir nas cabeças a voz do próprio Saramago, questionando até onde vai esta prova de fé – aqui um dos capítulos mais interessantes do livro.


Isto, sem falar no último capítulo que faz com que o livro seja arrematado com maestria – que não hei de revelar – que, aos niilistas poderia ser o seu sonho mais profundo, caso, e só caso, acreditassem em alguma coisa já dita. Como objeto de estudo à religião, suscita, com louvores, as dúvidas que quer, como literatura, é um Saramago puro-sangue, sujas as letras e vírgulas de seu pensamento mais profundo (para os católicos, profano) sobre o rumo que tomou a sociedade ocidental, que bem sabemos ser  orientada em parte pelo pensamento judaico-cristão, responsável, segundo seu autor, por parte dos problemas que são refletidos desde muito tempo na vida de todos. Caim é, enfim, o término perfeito para uma carreira bem sucedida como escritor, sem lastimar nenhuma hipocrisia, posto que Saramago fora honesto aos seus princípios desde Terra do Pecado, da década de 50 até este Caim, que prova não somente seu papel de escritor, mas também de cidadão pensante.

eap

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