Mania de trancar as portas, aquela, e aí, todos sabiam que ele estivera a enlouquecer.
Entretanto, aquele rapazote era aquele de se faltar sorte. Poderia ter qualquer
idade, melhores tempos, entretanto, sentado, com cara de desprezo
para a rua. E não cansava de repetir para si mesmo que a vida que levava era a mais
próxima da segura. No entanto, fora uma contradição, como todo homem que se
preze.
Ao mesmo tempo
em que conservava sua vida, como conserva-se uma sardinha numa lata,
resguardava um pseudo-desprezo por toda a existência mundana – pela sua própria
inclusive. As pessoas o viam, e tinha um certo dó de sua condição. Mas ele mantinha intacta aquela sua ideologia cruel de nunca levar para o pessoal os roubos, nos dizia, resignado, que aquela era a sua condição. Vivia numa tristeza de dar dó, achava ainda aquela justificativa para o seu azar... Falava de Jorge Amado e de seu Capitães da Areia, da maneira como pôde enxergar claramente a condição daqueles que estavam por baixo da camada social. Nós ali, ah, nós nada de livro. Tinha tanta coisa na vida com que se preocupar...
Contava
vantagem, contava anedota. Tinha gosto de usar as palavras mais rechonchudas
que conhecia – dava vontade de mordê-las – para contar seus doze casos de
assalto, dez dos quais à mão armada comprovada pelos olhos que a terra um dia
ia de comer. Fazia rir a todos, e punha aquela xícara inseparável ali ao seu
lado, café ali. Sua mãe olhava-o de soslaio, enquanto costurava, tricoteava ou
assistia.
Era uma figura
aquele rapaz. Pena ter morrido em casa, depois que escorregou num carro de
controle remoto do irmão e caiu com o pescoço em cima da quina de uma cadeira e, com a
faca que cortaria o pão, enfiou-a no peito, um tanto quanto contrariada, sua
voz ainda dissera, segundo sua chorosa mãe, que o destino do homem é inadiável.
Morre-se, por isso se nasce.
Deveria ter
perguntado a ele por que o homem se reproduz – mas o seu pseudo niilismo me
diria que reproduzir-se é uma opção dos fracos e dos proletários... e me fariam bem suas palavras, assim, soltas como que a contar anedotas de marginais que contra ele impunham suas vontades, vícios – e no fundo quem se viciou fui eu, em ver aquela xícara entre seus dedos.
Sentar na esquina é tudo que se há de fazer.
E,a,p'
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