sábado, 22 de outubro de 2011

Para morrer é que se nasce



Mania de trancar as portas, aquela, e aí, todos sabiam que ele estivera a enlouquecer. Entretanto, aquele rapazote era aquele de se faltar sorte. Poderia ter qualquer idade, melhores tempos, entretanto, sentado, com cara de desprezo para a rua. E não cansava de repetir para si mesmo que a vida que levava era a mais próxima da segura. No entanto, fora uma contradição, como todo homem que se preze.
Ao mesmo tempo em que conservava sua vida, como conserva-se uma sardinha numa lata, resguardava um pseudo-desprezo por toda a existência mundana – pela sua própria inclusive. As pessoas o viam, e tinha um certo dó de sua condição. Mas ele mantinha intacta aquela sua ideologia cruel de nunca levar para o pessoal os roubos, nos dizia, resignado, que aquela era a sua condição. Vivia numa tristeza de dar dó, achava ainda aquela justificativa para o seu azar... Falava de Jorge Amado e de seu Capitães da Areia, da maneira como pôde enxergar claramente a condição daqueles que estavam por baixo da camada social. Nós ali, ah, nós nada de livro. Tinha tanta coisa na vida com que se preocupar...
Contava vantagem, contava anedota. Tinha gosto de usar as palavras mais rechonchudas que conhecia – dava vontade de mordê-las – para contar seus doze casos de assalto, dez dos quais à mão armada comprovada pelos olhos que a terra um dia ia de comer. Fazia rir a todos, e punha aquela xícara inseparável ali ao seu lado, café ali. Sua mãe olhava-o de soslaio, enquanto costurava, tricoteava ou assistia.
Era uma figura aquele rapaz. Pena ter morrido em casa, depois que escorregou num carro de controle remoto do irmão e caiu com o pescoço em cima da quina de uma cadeira e, com a faca que cortaria o pão, enfiou-a no peito, um tanto quanto contrariada, sua voz ainda dissera, segundo sua chorosa mãe, que o destino do homem é inadiável. Morre-se, por isso se nasce.
Deveria ter perguntado a ele por que o homem se reproduz – mas o seu pseudo niilismo me diria que reproduzir-se é uma opção dos fracos e dos proletários... e me fariam bem suas palavras, assim, soltas como que a contar anedotas de marginais que contra ele impunham suas vontades, vícios – e no fundo quem se viciou fui eu, em ver aquela xícara entre seus dedos.
Sentar na esquina é tudo que se há de fazer.

E,a,p'

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