quinta-feira, 12 de julho de 2012

Sem nome nº 01

Eu a amo sem nunca tê-la visto. Mas, e daí?
Quantos homens precisariam para reconhecer
no fundo do quarto o silêncio de uma voz?
Quantos filósofos precisariam para reinventar
o mundo em sua ficção da vida novamente
mesmo sem nunca ter vivido sequer os vinte
por cento da ponta desse iceberg chamado viver?
É por isso que tenho dito: eu a amo sem nunca
tê-la visto, e nem por isso me envergonho, pois,
mais vergonha deveria ter o homem que nunca
amou uma mulher em segredo – até para si mesmo –
e da mulher que nunca terá o prazer de saber
o quanto eu tenho me acabado pelos seus andares
pelos seus cheiros, suas vozes, seu papo bom,
seu desjejum de manhã, o modo como acende  o cigarro
ou lê a revista Scientific American sem sentir culpa.
Triste dela, meu deus, e triste de mim, que jamais terei
o prazer de falar estas frases apetitosas e suculentas
bem no seu pé d’ouvido, bem assim, porque o prazer
seria mais meu, e eu ainda o diria dessa maneira,
porque pra ela, que tão linda, penso, que os homens, 
esses bichos de garras e pelos sedentos
– a baba do cachorro nervoso escorrendo no canino 
já devem cansá-la de dizer “nossa como você é linda”
“nossa como você caminha lindo”, “nossa como você
simplesmente existe”, "nossa como você vive" 
e eu teria o prazer de lhe dizer fartamente
com a boca cheia d’água, que eu te amei antes mesmo
que pudesses sonhar em sonhar o sonho que se projeta
na máquina dos sonhos dentro da cabeça do primeiro homem
porque sequer te tinha admirado o corpo, para poder saciar
minha vontade de tê-lo nas mãos e usar e ser usado por ele,
que sequer eu te tinha pensado em te fazer um filho;
quando um filho, na verdade, pensou em ser parido pelo mundo
eu já te desejava, mulher. Eu já te amava antes mesmo
de saber que existia amor, e quando dessas palavras vãs
que a maioria das pessoas estuda nas gramáticas e dicionários –
que antes de saber falar e de todas as línguas, 
eu já dizia que tinha amor
eu já dizia que dizer era pouco, e precisava agir mais.
Mas isso tudo ainda é pouco, para dizer que eu a amo antes de tê-la visto.
Falando assim, parece bobo, casto e até mesmo piegas,
mas, você, que se ri de mim, sabe lá que terá no peito?
sabe lá que trará na voz? Saberá lá se nunca pôde ter amor,
que amor é para poucos; amor é para ela, que sabe bolar um
como ninguém – como ela, e queria que ela me comesse vivo,
me comesse nu, sem vergonha. Que diante dela eu perderia
até o pudor de minhas partes pudendas, perderia o amargor
pelos dias perdidos de cerveja e gordura da carne de porco
farta no almoço e no churrasco de sábado, porque eu
caminhei nas horas, abobalhado, pensando nela,
trôpego no meio-fio e caí, na sarjeta, bebi daquel’água podre,
mas nem senti. O centro da cidade me parecia ter a boa lembrança
dos dias que nunca vivi com ela. Ela existe? Será que existe?
Os prédios me apontavam o céu e eu os negava,
como que para maldizer de deus, de toda a minha sorte,
de não tê-la na cozinha de minha casa, lavando as mãos
no sabão de pedra, e na pedra, talhar meu nome,
e na espuma, na bruma esparsa do sonho em que a fiz,
ela nunca me dizia eu te amo, e nós nunca nos pertencíamos.
Eu a amo antes de tê-la visto, mas isso é mero detalhe,
porque andando no centro da cidade, molhando o torrão
de açúcar no café, eu ainda a remonto, com extrema sensibilidade,
olhando a praça, seu relógio, o sol, no pico de meio-dia,
me mostrando todas as pernas das quais, jamais, nenhuma delas
será igual, nem tão mais fina, nem tão mais grossa
– uma batata, ó, deus, de se alimentar para o resto da vida 
o joelho, redondo, belo, liso, zeloso, com qualquer cicatriz
de uma queda da bicicleta, o cigarro, aos dezessete, semana passada,
ou quem sabe, há dezessete anos atrás.
Enquanto isso, eu ainda vou vivendo na puberdade de meus pensamentos
remontando sua graça, pelas cores de todas, pelas cores de muitas
nas vozes e leituras, na maneira do caminhar sobre o salto,
ou sobre a humilde e penitente sandália, dentro da qual, o pé
que nunca foi nem será beijado como eu o não beijaria,
porque eu a amo antes de tê-lo visto, e, sem tê-lo visto,
enxerguei-a por inteiro, na margem distante, de um verso qualquer.


eap

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