sábado, 10 de dezembro de 2011

Desgracida de Dalton Trevisan

Trevisan pode ser considerado o melhor contista vivo de uma geração promissora que veio logo após aquela efervescência do pós-45, que se propunha a ser diferente. Trouxe consigo uma pá de companheiros e fez ainda outros amigos ao sair de sua progenitora Curitiba para o Rio de Janeiro, onde ficaria amigo de Rubem Braga, desde então, de lá para cá, Trevisan, cada vez mais recluso vai aperfeiçoando o minimalismo com que cria seus personagens e fatos, pitorescos e engraçados, sem renegar, claro, os seus evidentes influentes (Tchekóv é um deles, Machado é outro). Desde meados da década de 50 seu talento é reconhecido, e antes da explosão de ótimos contistas na década de 80 (a exemplo de Caio Fernando Abreu) era tido como o nosso maior expoente do gênero - um mestre.

O que tudo isto tem a ver com "Desgracida", sua mais recente antologia de pequenos contos? Tudo. Aqui podemos entender como e porquê o "Vampiro de Curitiba" tornou-se um dos mais respeitados contistas contemporâneos  ao lado de Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles e Ignácio de Loyolla Brandão (apenas para citar da mesma época e ainda vivos).

O volume, até que pequeno (220 páginas), reúne aquilo que o escritor misantropo sabe fazer de melhor: contar os casos do cotidiano desta cidade, expressionista muitas vezes, que é a cara de seu autor  pode-se dizer que Curitiba está para ele assim como a Bahia está para Jorge Amado. Trevisan transpõe as pequenas histórias para a sua visão de mundo e de literatura formando um mosaico de figurinhas, que são Joões, Marias e Polacas, todos, endiabrados, cruéis, marginalizados, caquéticos, imundos, e, pasmem, até líricos e humanos  diria desgraçadamente humanos ainda mais com todo o erotismo cafajeste, tão próprio de suas obras.

Tudo isto somado a linguagem coloquial, típica do povo curitubano, que Trevisan soube tão bem adaptar ao seu estilo minimalista (do clássico "Ah, é?", passando pelos perversos "Dinorá" e "234" - que tive a oportunidade de ler), somadas à textos de cunho altamente psicológico, no que tange às atitudes desmedidas de seus personagens, e falando lado a lado com "a ralé" curitibana, sob o signo do sofrimento e da crueldade. Fora isto tudo, vemos as piadas, os aforismos e poemas-conto, que já são de praxe do autor.

Mas o diferencial de "Desgracida", e que, muito provavelmente, o fez vencedor do Prêmio Jabuti deste ano na categoria conto [que o autor já havia vencido com "Novelas Nada Exemplares" (1960),  "Cemitério de Elefantes" (1964), "Ah, é?" (1994)], está na segunda sessão do livro, que sucede as "Ministórias", que são as "Más Traçadas Linhas", que reúne cartas que o escritor dirige, afetuosamente, a Pedro Nava, elogiando-o, e dizendo, sem meias medidas, que compara-o a Proust, e que seria até melhor, já que "não é chato nunca", além de cartas a Otto Lara Resende, onde critica, se bem entendi, Grande Sertão: Veredas, além de salientar, citando autores por quem tem predileções, tais como, com bastante frequência, Machado de Assis (a quem chama "Machadinho"), Léautaud e Anton Tchekóv.

O livro, que é uma amostra da competência de Trevisan ao longo de sua carreira, guarda boas cartadas, como o conto Iluminação, que guarda um tom memorialista e certa epifania na nesga de perna branca que surge na perna de uma polaca, e ainda Marishka, que é um canto louco de amor à uma mulher fatal - aqui a referência cinematográfica à mulher do conde Drácula. São essas, duas joias raras em meio a este volume, que pode ser dito como um produto notável de uma grande carreira construída sem frescuras, demonstrando que em time que está ganhando, e muito bem, diga-se de passagem, não se mexe.

E, às suas palavras, "despeço-me com um piparote".

eap

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