quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

“O Instinto do Instinto Secreto”


 Para Afonso Abreu

– Três dias. Já fede daqui.
– Por tanta demora, supõe-se que a desgraça já vai longa, não é? Tinha razão. Ele não tinha ninguém.
– Provavelmente. Mas esse cheiro vai incomodar os vizinhos.
A porta batendo.
– Está esperando alguém?
– Não.
Olho-mágico: dois homens com coletes e à paisana olhando para o corredor. Mão segurando já o coldre.
– Que merda.
– Eu não entendo.
– Abra a porta, procure não demonstrar nervosismo.
– Que?, olha com desdém.
– ... Vou estar ali sentado.
Abre a porta, abotoando ainda uma camisa engomada; os óculos sobre o nariz.
Os policiais perguntam seu nome, ele confirma, senta, oferece café, ao que os policiais não aceitam, pois que é de rápida a entrevista.
– Só?, pergunta o policial gordo.
– Sim, sim. Moro sozinho.
– É... Então, o que esteve a fazer ontem à noite?
– Estava em casa dormindo.
– Soube de alguma coisa anormal acontecendo?
– Não... Ainda não soube de nada, pois que sempre tomo notícias do que há quando vou a casa de meu vizinho pela manhã, para esperá-lo ir ao trabalho comigo.
– Entendo.
– Que aconteceu?
– Estamos apenas averiguando.
– ...
– Algum incômodo em especial?
– Você alguma vez já o viu ou ouviu falar, fazer alguma coisa que lhe incomodasse? Fica calmo, disse o da voz sentada.
– Não na verdade. Trabalho o dia inteiro. Aos sábados e domingos durmo ou leio. Saio vez por outra apenas para resolver empecilhos do trabalho...
– Administrador?
– É... Toda aquela coisa. Reuniões, ações, relatórios, cobrar dos outros, os outros me cobram... enfim, é uma rotina estressante. Dá vontade de matar um às vezes, e riu.
– Não!, gritou aquele que estava ali sentado e ninguém via.
– Hm, disse o outro policial de barba, tomando nota.
– Por enquanto é só, senhor. Qualquer coisa que nos puder ajudar, aqui o nosso cartão. Nesse número o senhor vai poder nos contatar à qualquer momento.
– Sim, sim.

***

No carro os dois dão fungadas no talquinho.
– Que tu acha?
– Ora, aquele magrelo?
– Como assim? Foi um tiro.
– É, mas ele bem poderia nos ajudar... o prédio dele fica de frente para o outro prédio. O filho da puta preguiçoso do caralho, passa o dia dormindo. Risca o nome do corno.
– Tem certeza?
– Claro.
– O cara era importante. Tá com cara de passional. O marido da outra tinha histórico... Tava na cara que ia dar merda... O fulano arrancou os aparelhos dos dois, comeu a mulher depois de morta... Tá na cara.
– Quando sair a análise do esperma, vai se confirmar...
– Por que então os filhos da puta mandam a gente averiguar essas evidencias!
– Ah, larga mão de ser preguiçoso, porra...
– Vamo tomar uma?
– Simbora.

***

No apartamento o desespero do ego e do alter.
– Cê acha que eles desconfiam?
– Depois dessa cagada...
– Eu não acredito, eu não acredito! O maldito!
– Eu falei que tomasse cuidado e não se deixasse levar pela familiaridade, pela conversa fiada dos policiais...
– Que inferno!
– Não se descontrole, é apenas um gato!
– O gato era quase uma merda de parente! E, a culpa é minha! Deixava a porta aberta sempre! Só um animal! Um pobre animalzinho!, convulso choro balbuciado.
– Não vejo onde isto se encaixe... Se acalme... Ei, onde você vai?
– ...
– Ei, não faça isso! Não! Não!

[estampido seco]

eap

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