sábado, 12 de dezembro de 2015
de última hora
por minhas derrotas diárias.
é dura a batalha do despertador
com a vontade de fechar os olhos
e imaginar ou viver onde
orfeu estende seu lençol de estrelas.
mais dura é a batalha do espelho,
que reflete três pontos distintos na linha do tempo:
o presente,
onde as luzes refletem minha carne escura,
meus olhos puxados,
as cicatrizes e as marcas de cigarro;
o passado,
que é a imagem envelhecida refletida, depois das luzes,
com toda a fadiga desses anos;
o futuro,
que é para onde convergem todos os movimentos
e deles se esvaem o cansaço do tempo que escorreu.
de todas as maneiras,
a batalha é árdua,
e custa ver neste espelho um corpo
que já viveu mais de duas décadas.
a última batalha do dia
é a realidade que corta feito uma navalha há muito amolada
com os excessos do tempo a ferrugem corroem
e da carne desce o líquido viscoso, antes de penetrar na carne
e, só aí, vir o sangue.
queria chorar menos
as horas
que não podem voltar,
entretanto,
queria chorá-las até que enfim
nalgum ponto dentro de meu corpo
doesse o ínfimo dessa insuficiência que me causa
ser o guerreiro de tantas batalhas --
das quais nenhuma safo-me vencedor.
eu só queria pedir desculpas
pela raiva que sinto
da vergonha que sinto
de ser triste
mesmo quando tudo parece tão completo.
talvez seja esse meu sangue lusitano-hispânico-balcânico
que tenha lírica sofredora
de tantas batalhas
e os queixumes do banzo que aqui se mistura
com o sangue dos índios mortos
de tantas batalhas,
[genocídios]
mas deus,
como disse um companheiro
"para que tanta batalha
cê é um amante
não um guerreiro?".
segunda-feira, 21 de setembro de 2015
aliens (i, ii e iii)
terça-feira, 8 de setembro de 2015
de si para si (momentos mornos)
quero o pudor de não sabê-los
e deixá-los tenros,
descansando mornamente em apenas estar
em banho-maria, esquentando o frio esquento,
para a delicada delícia de saborear
depois
o que outrora fora estrago,
o que outrora fora esmiuçar o que se pôs,
mas é que na hora
a gente não toma tento
do momento
e ele fica assim desatento por si mesmo
como se desejasse
ser mais que mero elemento
do agora,
gerundismos,
e eu me perdoo,
por ser intertexto,
mas há coisas que tomam forma
no momento em que são feitas.
sábado, 18 de julho de 2015
suindara
endureci-me pelas pedradas,
pela pedra fiz poema e alimento
para a vida inteira,
sentindo o profundo das coisas
mesmo na densidade absoluta
das colinas
que tocam o céu e as nuvens
encravadas no chão,
não menosprezei nada.
nunca.
perdoai a praga primeira de minha boca,
perdoai meus pecados,
meus ais,
meus vis instintos de carne,
perdoai também o que sequer se possa dizer
pecado.
a coisa mais ínfima,
dentro da psiquê
que sequer sente culpa,
perdoai, pois,
sei bem que delas
tudo se pode sangrar,
conquanto meus dedos entranhassem assim,
vulgares,
em corpos e orifícios,
saber sagrado
o grande cu
e a santíssima buceta:
eu nunca me atrevi a me atrever.
mais que a língua se umedeça
e de tudo não mais meu corpo se apeteça
porque disso não me entumeci
até o último fio de cabelo
da manteiga e da gordura
num banho para o abraço.
quando o céu virar um mar de fogo sobre nossas cabeças
saberão que antes de tudo
antes de ser o sacro
o corpo era vil
e o enxofre que cairá sobre todos
não distinguirá
bom de mau,
por isso digo,
que como a montanha,
sou encravado no céu,
e toco a terra,
como o pequeno demônio
encravado em teu ouvido
sussurro palavras obscenas
camufladas de amor eterno,
mas nunca fui assim tão derramado,
antes,
muito antes disso,
eu era pedra
e ela fez de mim poema, verso,
multiverso.
temporal desiludido
o absurdo do tempo é que ele é.
sem mais nem menos.
ao certo descobriu-se incerto
mas na incerteza se fez dialogar
tão são de todo o destino
que nunca mais quis olhar para trás.
como o tempo, levo a vida.
sempre para frente,
sempre incerto na certeza,
mas cheio do vigor
de quando deu-se
o derradeiro fiat lux.
"agora, amanhã e para sempre, amém."
foi a santíssima trindade que criei
para que quando dúvida,
lembrar sempre do tempo
e dos seus pés descalços
que carregam consigo
em suas costas,
o peso da eternidade.
segunda-feira, 6 de julho de 2015
o medo II
até porque você disse um dia
- até amanhã,
e até hoje estou parado aqui.
o medo I
o resto, todo o resto fica pra se esquecer
mas amanhã é o dia
o pior dia de todos os tempos.
por causa das tardes de sol,
dos dias nublados,
das noites violentas,
da esquina que sempre à espreita
se assemelha
ao jogar de dados do destino.
por causa da próxima página,
por causa do livro inteiro,
nem tanto o fim,
o fim é a certeza ortodoxa de tudo.
se eu acordar tarde
se eu te ouvir gritar
se eu falhar de novo
se eu possivelmente falhar mais uma vez,
se eu estiver sozinho,
se todas essas coisas
sequer acontecerem:
amanhã continua sendo o pior dia de todos os tempos
se você não estiver lá
amanhã,
amanhã será o medo corporificado
o medo em carne e osso
a face lúgubre encardida de sombra,
e sujeira, e sangue
do tempo,
vestida num corpo,
num dorso,
no osso,
no poço
e no fundo,
o olho a fitar
e engolir a tua garganta de grito mudo,
uma queda rápida,
que não dura
mais que o sono das palavras.
segunda-feira, 29 de junho de 2015
latto/strictu
no interim de uma vida inteira
eu ainda não havia atinado
que as coisas se tornam mais claras
depois que tudo é escuridão.
que os pedaços do que era inteiro
são inteiros em miniatura
e que cada um dos seus inteiros
são feitos de inteiros completos.
e que, além disso, a solidão existe,
e que não diferencia em fazer companhia
em quem é alegre
ou quem é triste.
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tudo se perde depois do encontro,
eu perdi minha cabeça
quando deixei que o teu olhar
encontrasse o meu
e tua cabeça cansada
encostasse no meu ombro
e no labirinto do mundo
que ganhei quando me guiei na tua mão
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o entendimento desse mundo
o entendimento de tudo
parte do mais ínfimo nada,
da menor partícula nunca desarranjada
dos anos e anos que conseguimos
resumir em décadas, séculos,
e de tantos milhões, saber que
ainda não passamos de meras crianças
é o que faz a cabeça parar
para continuar em seguida
noutra linha, noutro caminho
que se percorre calado, sozinho
sem sair do lugar.
cada ser tem em si o universo,
que quando chocado em sua semelhança
acaba por destruir o que outrora
devia ser união.
quinta-feira, 25 de junho de 2015
vigia/vigilante
quarta-feira, 24 de junho de 2015
casa-mulher
concreta,
e da minha imaginação
te fiz branca
tão branca
como a neve que nunca vi.
eu te fiz minha casa,
inteira,
um quintal grande
com flores e frutos
de se germinar
e viver da terra.
te fiz minha casa,
mas esqueci,
completamente,
de nela pôr
portas e janelas.
sábado, 20 de junho de 2015
memória 2
profundississimamente
em teus cabelos
para avivar a memória
algo assim turvo
algo assim opaco
tomou a memória
das coisas que supunha
findas
sem nem ao menos tê-las
começado,
e penetrando intimamente
em cada pedaço da caverna
onde guardei teus registros
pus-me atordoado pela perda
do que não tinha
porque da segunda vez que te vi
teus cabelos eram outros
teus olhos eram óculos
teu vestido era florido
a memória te reguardou
pelo que não fez
pelo que não é
a fábrica trabalha arduamente
produzindo fumaça
poluindo os dias
com intragável esperança.
quarta-feira, 10 de junho de 2015
Quarto 204
terça-feira, 9 de junho de 2015
expectativa
assim, pelo olho.
da lágrima, da ansiedade,
criei o que acho ser amor,
criei o criadouro,
matei a física,
matei einstein,
matei o espaço,
o tempo,
matei a mim mesmo
quando te inventei para mim.
segunda-feira, 8 de junho de 2015
Sem Nome nº 77
mesmo no regaço do vestido, na mão na mão,
ainda assim, esquenta coisa nenhuma esse meu peito,
perito em se questionar se é hora de se entregar.
pelo tempo que passamos juntos deveríamos saber
que quando a gente se vê ainda tem aquele tremor
o frio na barriga, as pernas inquietas, o olhar perdido,
mas eu, que sou líquido, já me adestrei, cachorro de rua;
embora por dentro a coleira tenha-se rompido
e duma mordida eu tenha arrancado um pedaço
de nossa história e levado comigo, para enterrar no quintal,
profundamente, escavador, mineiro: faço da memória meu ouro/meu osso
quando dá vontade, desenterro, lambo, mordo, contemplo,
para guardá-lo novamente e ser assim, sem fim,
todas as vezes em que eu olhá-lo, enterrado -- algo assim
que julgava morto, as nem tanto.
foi de ver-te, tuas pernas grossas e pele trigueira,
que me refiz um pouco, encontrei ali, o fim
e o começo do primeiro gole,
1991 a 2013, a vida escorregava densa como fosse óleo
sem nos misturarmos, detive-me num sono malicioso,
onde, com manhas de gato faminto, desaguei a contorcer-me,
mas era sono charmoso: o tique nervoso, de coçar os olhos
e cisco nenhum impedia de contemplar o frasco de veneno
que porventura, no espelho olho, e também sou.
mas, como e quando foi que fiquei tão desprezível
ou desprezante, desprezado, desesperado, de um grito mudo,
de um grito surdo, por saber: onde eu estou?
minhas mãos continuam as mesmas, meus dedos,
minha boca, meus dentes, cada poro deixa correr ainda
o suor, e os pelos, todos ainda em seus devidos lugares.
página 1, página 2, as canetas riscam o silêncio.
segunda-feira, 1 de junho de 2015
edgar
pobre edgar.
edgar era pai de família, casado há 35 anos com a mesma senhora gumercinda, aposentado das agências dos correios, concursado, o inss, todas as contas em dias.
saía todo santo dia 15 de cada mês, pagar as contas na lotérica, apostava na mega-sena, 40 anos apostando, ganhou na quadra uma vez -- com o dinheiro comprou uma tevê sharp 14 polegadas em 1987.
era o amor dos filhos, o amor de sua esposa, o amor de seus netos, o amor de seus amigos -- seu edgar era um amor. todos moravam na sua casa.
os netos faziam algazarra, o velho nem dormia, mas era tão amoroso, que a eles fazia companhia.
dona gumercinda comprava vestido e jóia, edgar amava ser útil, amava o agrado, era um marido pacato e dedicado -- embora gumercinda se maldissesse do seu cheiro de naftalina, edgar dormia na sala, cadeira de balanço, gumercinda, amada, esparramava-se em solitária harmonia.
mas eis que dia 15 de julho, ia conferindo a numeração da mega-sena, entra despropositado o carro, edgar voa 15 metros à frente, quebra as pernas, a dentadura dupla e os óculos vão longe. edgar que era só amor, era uma vez.
mas acordou de súbito, e assinou a papelada do hospital, 3 dias depois, o joelho estilhaçado, andava sem sentir que suas pernas desmontavam.
juntaram seus pedaços com uma pá. puseram na maca, cola, parafuso, prego, martelo, um pedaço de ferro, costura um sorriso, edgar até sorria.
alta do hospital, edgar vai para casa, escreve uma carta:
"saiam da minha casa, pedido meu
escrevo porque não posso falar
arranjem um lugar para chamar de seu
curriculum vitæ*
(*do latim: "trajetória de vida)
já trabalhei em horários diversos,
o que eu disse ainda ecoa profundo
vocês chamam de infinito, mas tem nome:
o silêncio é meu grito pelo tudo.
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OBJETIVOS
junto a vocês, nada acrescento
além da novidade última
que tiver que surgir.
entenda que meus feitos
nunca me fizeram nada além
do que lamento
mas o que há por vir?
teria no cheiro de mofo
de minhas roupas encharcadas
da última chuva
algum ser vivente
mais propício ao nada que eu?
que vocês?
que essa vida inteira?
qual o sentido da pergunta,
da carreira
da vida
que ligeira passa
e conforme os anos vem
nós vamos
e os fantasmas de quintana
quintanam
como as pedras de drummond
estão no caminho
e o eco de bandeira
faz cem anos que repete:
trinta e três, trinta e três, trinta e três...
eu quero ser o objeto
que se torna filho
que se torna mimo
que se torna afã de se ser,
eu quero ser pó da madeira,
o bicho que apodrece a fruta,
o vento que bate as portas.
eu já fui a criança, menino, rapaz, homem,
quero ser velho, quero ser velho de fato,
da carranca e dos netos,
quero ser plantado na terra,
queimado no fogo,
congelado nas águas glaciais
desfeito no ar,
vira partícula subatômica,
sumir no buraco negro,
inexistir
por já ter
existido demais.
a fortuna da carteira
domingo, 31 de maio de 2015
quando for saudade
não terei a obrigação de estar, nem de ser.
não farei mais planos de surgir do nada,
de falar qualquer coisa que te sugue a tristeza
ou de ainda desmanchar os descasos que criamos
apenas para nos dizer que tudo é imperfeição.
quando eu for saudade a tua mente vai deixar ir
todas as palavras mal-ditas e quem sabe até
ver em cada uma delas uma veemência de sanidade
ou mesmo ser lembrado como alguém ou algo
que nem sempre era agrado, era desequilíbrio,
alguém que chegasse e desmanchasse as coisas
para participar somente da reconstrução.
quando eu for saudade, ah, terão fotografias,
terão cartas, poemas, e-mails, gravações, camisas,
filmes, frases, citações, a marca do cigarro favorita,
músicas, textos, lugares, bebidas e perfumes,
que na rua, na casa, na vida, serão avenida
que cruzará a rua que terá meu nome, meu sobrenome.
quando eu for saudade a saudade há-de ser verdadeira,
que era de ontem, anteontem, mas, coisa passageira,
quando a saudade se fizer presente e meu corpo ausente,
minhas saudades de ser saudades serão tão nítidas,
que quem sabe eu cumpra a promessa outrora dita
de puxar teu pé à meia-noite ou até fazer cosquinha.
quando eu for saudade a presença será de espírito,
mas não desses que se dizem espírito, ou demônio,
será provavelmente a história que eu sempre repito
e a verdade é que sei bem que a verdade é que hoje ainda
me veio saudade de te ver, que vem quando puxo a carteira
daí teu retrato me lembra que saudade é fidelidade
do que agora é eterno mas surgiu como coisa passageira.
quinta-feira, 28 de maio de 2015
laços de sangue
quinta-feira, 21 de maio de 2015
corpo de baile
o corpo se transforma n'algo antes nunca visto
o corpo se mistura com as formas que,
antes da meia-noite a surpresa é o agrado
destes olhos que chamamos aurora pelas cinco
o corpo é uma casa que desforme se reforma
mas o corpo não incorpora suas cópias
dentro de si, o o corpo se acomoda calmamente
a coisa que se coisa e é coisada por estar no cois da calça
é jogo, trava-língua, trava a lingua e se engasga
o corpo é perfeito dentro de suas imperfeições
gordomagrobaixoaltoamarelopretopardo
o corpo não precisa ser classificado
a pele que o corpo se fundiu para cobrir o ossos
cansados de carregarem o peso do mundo
os músculos enrijecidos, os músculos de hércules
o corpo absurdo dentro da pele de homem,
todo homem é deus? todo deus se santifica?
ou o deus se humaniza e se corporifica?
o corpo metamorfo que antes era bebê
hoje é adulto amanhã é decrépito ou coisa assim
mas o corpo em conserva, corpvs est in latim,
vitruviano perfeito em medidas exatas,
o corpo se desfaz em desvelos e se refaz em camadas
o ódio cego dos pais, das mães, irmãos
um corpo morto foi encontrado no chão.
se era marido, filho, pai, o corpo não diz, o corpo só jaz.
o corpo era pra ser resposta, mas na verdade é pergunta
e essa pergunta não tem nexo ou senso
o corpo largado na avenida, o corpo torto, errado
este corpo precisa ser incinerado
e o corpo vira cinza, antes de ser fumaça
polui a cidade, impregna nas casas
o corpo de carbono se regozija de ser fato
mas o corpo afinal era feto, afeto desfeito.
sábado, 9 de maio de 2015
tudonada
de ter perdido o encontro ou a perca da perdição
que eu nunca tive de estar com nada
e de em tudo ter que tudo exagerar para ser simples
mas no final das contas o saldo é zero vezes zero
e o infinito é pouco pro que se defronta em meus bolsos
mas o perdido é achado e o infeliz é que apesar de tudo
ainda continuo extasiado por estar preso na liberdade
que me foi praguejada, castigo com flor e beijo
que eu não precisei dar, mas também não neguei
apesar da boca que me disse beija não ter língua
e por não ter língua não ter voz, e por não ter voz
o silêncio ter dito tanto em tão pouco tempo --
o infinito é pouco pro nada, o nada é tudo,
ausência de tudo é nada, noves fora, qualquer coisa
e a matemática é ciência exata às inexatidões de fatos
que são inventados para nos aprisionar naquela escolha
que era liberdade -- meus braços são os seus,
mas você não usaria para me abraçar
porque eu não me abraço e portanto, eu não te abraço,
minhas pernas são as tuas, e se eu não caminho pra frente,
para trás também não vai, e na minha cabeça você atolou
e deixou inerte os sentidos em movimento,
se eu não vou até você, minhas pernas sendo tuas,
como poderei me encontrar se foi em ti que me refiz,
e pra que lutar se a conta a se pagar não tem preço,
e não há paz nessa guerra que só precisou de paz pra se ser,
o resto é inteiro e é indivisível, infragmentável.
só precisava de uma palavra pra descrever a história do universo:
esse tudonada que nos fundiu pelo resto da história.
domingo, 26 de abril de 2015
fragmento II
sexta-feira, 24 de abril de 2015
mestre
tendo em mim a inércia,
qualquer valor que seja dado
em mais de mil ou um apenas,
contribui de forma satisfatória
para o progresso daquilo que nos faz fortes
mesmo o silêncio projetado
para desdizer o não-dito e o subtendido
afogo-me nos preceitos antigos
onde sempre se é necessário explicar os pormenores e as vírgulas
utilizadas para satisfazer seus ouvidos
(apesar que nenhum dos ouvidos está apto para ouvir)
só se sabe o peso dessa apatia
quando se vê de perto a dor inteira
não a metade do pé pra lá.
o passado faz completo sentido
os gritos, os silêncios, as palavras todas.
como podem todos meus mestres estarem certos?
não é possível que se erre tanto
esperamos que o previsível não nos surpreenda mais
porém
a cada novo olhar revirado por trás das pálpebras
se apercebe o erro cultivado de anos
e como fazer o inesperado
se o sentimento de agora é coberto de uma vontade de enterrar o corpo debaixo
de sete palmos de areia grossa.
degradar lento o corpo
a mente intacta
o corpo são
a mente desgastada
e o contrário em dias pares.
deus me ajude a nunca mais enlouquecer.
quarta-feira, 15 de abril de 2015
evolucionar-se
o sensível se perde e dá lugar
ao sem tato, o homem sem olhos
o homem sem senso,
o homem sem sono,
que é admirável pelo que se admira:
racionalizar a pedra imóvel
o prédio de linhas retas
a curva que se faz na folha
o intrínseco analítico,
fábula contada há mil anos
era de que o homem seria senhor
de si mesmo
mas as páginas que se mostram agora
confundem as vistas de quem proclamou
essa independência
pois que é escravidão do que se há-de ser
perfeito.
como que deuses fossem assim perfeitos?
escravos do vício de se viciar
no medo de se ter medo,
na cova de se ter que cavar uma,
mortalidade absoluta de ser mortal,
a sensibilidade morre para que nasça o homem-parafuso
o homem-engrenagem, o homem-hermético.
desomenagem de amor à fortaleza (ou canto do desgarrado)
I mean all disrespect
In the neighborhood bars
I'd once dreamt I would drink
Fortaleza i love you but you bring me down
odeio teu sol
tuas praias
teu cheiro de litoral
fortaleza i love you
but you bring me down
odeio teu centro
tua ignorância
tua inconstância
impossibilidade
tua desigualdade gritante
oligarquia patriarcal
fortaleza i love you
but you bring me down
mas também te sou grato
pela raiva e pelas pessoas
que em coro cantam comigo
no mesmo tom o mesmo hino
fortaleza i love you
but you bring me down
sou grato por ter me formado
moreno pardo mulato
meu corpo de fato
desta cor tamanho peso e fardo
a inspiração tal
fortaleza i love you
but you bring me down
deu também, fortaleza,
esse jeito de amar te odiando
de cheirar teu lixo
e do ódio frio
o morno encanto me fio
fortaleza i love you
but you bring me down
quando canto agora
na madrugada afora
adolescência em vão
nas ruas podres e encharcadas do dragão
ou na aldeota, uivando com vinho feito cão
na favela onde conheci 300 ou mil irmãos
que me tomaram paraíso inferno
ou o que me fez tão mal
é assim que digo
i love you
but you bring me down
da iracema outrora américa
o perdido anagrama
com quantas mortes
hei de fazer esse canto drama
pois que na luz esverdeada
das lagoas
há mais que tristeza e melancolia
do que se fez antes tua ama
quem te criou
te deu comer
e belle-epoque
o verdadeiro sentimento
de perdido íntimo
de quem das tuas ruas se fez caos
fortaleza i love you
but you bring me down
teu aniversário
mais 1 ano
e meu ódio é sem culpa
é amor natural
não irei mais ecoar
o que já martelei
da cidade que me fez
dar este verso final.