– Três dias. Já
fede daqui.
– Por tanta
demora, supõe-se que a desgraça já vai longa, não é? Tinha razão. Ele não tinha
ninguém.
– Provavelmente.
Mas esse cheiro vai incomodar os vizinhos.
A porta batendo.
– Está esperando
alguém?
– Não.
Olho-mágico:
dois homens com coletes e à paisana olhando para o corredor. Mão segurando já o
coldre.
– Que merda.
– Eu não
entendo.
– Abra a porta,
procure não demonstrar nervosismo.
– Que?, olha com
desdém.
– ... Vou estar
ali sentado.
Abre a porta,
abotoando ainda uma camisa engomada; os óculos sobre o nariz.
Os policiais
perguntam seu nome, ele confirma, senta, oferece café, ao que os policiais não
aceitam, pois que é de rápida a entrevista.
– Só?, pergunta
o policial gordo.
– Sim, sim. Moro
sozinho.
– É... Então, o
que esteve a fazer ontem à noite?
– Estava em casa
dormindo.
– Soube de
alguma coisa anormal acontecendo?
– Não... Ainda
não soube de nada, pois que sempre tomo notícias do que há quando vou a casa de
meu vizinho pela manhã, para esperá-lo ir ao trabalho comigo.
– Entendo.
– Que aconteceu?
– Estamos apenas
averiguando.
– ...
– Algum incômodo
em especial?
– Você alguma
vez já o viu ou ouviu falar, fazer alguma coisa que lhe incomodasse? Fica
calmo, disse o da voz sentada.
– Não na
verdade. Trabalho o dia inteiro. Aos sábados e domingos durmo ou leio. Saio vez
por outra apenas para resolver empecilhos do trabalho...
– Administrador?
– É... Toda
aquela coisa. Reuniões, ações, relatórios, cobrar dos outros, os outros me
cobram... enfim, é uma rotina estressante. Dá vontade de matar um às vezes, e
riu.
– Não!, gritou
aquele que estava ali sentado e ninguém via.
– Hm, disse o
outro policial de barba, tomando nota.
– Por enquanto é
só, senhor. Qualquer coisa que nos puder ajudar, aqui o nosso cartão. Nesse
número o senhor vai poder nos contatar à qualquer momento.
– Sim, sim.
***
No carro os dois
dão fungadas no talquinho.
– Que tu acha?
– Ora, aquele
magrelo?
– Como assim?
Foi um tiro.
– É, mas ele bem
poderia nos ajudar... o prédio dele fica de frente para o outro prédio. O filho
da puta preguiçoso do caralho, passa o dia dormindo. Risca o nome do corno.
– Tem certeza?
– Claro.
– O cara era
importante. Tá com cara de passional. O marido da outra tinha histórico... Tava
na cara que ia dar merda... O fulano arrancou os aparelhos dos dois, comeu a
mulher depois de morta... Tá na cara.
– Quando sair a
análise do esperma, vai se confirmar...
– Por que então
os filhos da puta mandam a gente averiguar essas evidencias!
– Ah, larga mão
de ser preguiçoso, porra...
– Vamo tomar
uma?
– Simbora.
***
No apartamento o
desespero do ego e do alter.
– Cê acha que
eles desconfiam?
– Depois dessa
cagada...
– Eu não
acredito, eu não acredito! O maldito!
– Eu falei que
tomasse cuidado e não se deixasse levar pela familiaridade, pela conversa fiada
dos policiais...
– Que inferno!
– Não se
descontrole, é apenas um gato!
– O gato era
quase uma merda de parente! E, a culpa é minha! Deixava a porta aberta sempre!
Só um animal! Um pobre animalzinho!, convulso choro balbuciado.
– Não vejo onde
isto se encaixe... Se acalme... Ei, onde você vai?
– ...
– Ei, não faça
isso! Não! Não!
[estampido seco]